terça-feira, 22 de abril de 2008

BUkOwSkI – Mais alguns livros importantes da minha vida


Sou muito seleto, exagerado e direto nas escolhas dos livros que me interessam. Ok, não sou nenhuma traça de estantes de livraria e sebo, mas faço minhas lições literárias com os básicos que tenho acesso e estendo meus olhos para qualquer publicação que me interesse - às vezes até bula de remédio resolve (em caso de emergência). Se me perguntarem se já li algum clássico russo, digo que ainda não tentei, apesar de ter lido um livro de contos de Tchecov e pirado com suas minúcias narrativas.

Mas eu gosto de literatura com narrativa seca, direta e sem firulas de linguagem ou exercício mental com excesso de contextualização, por isso mesmo da literatura norte-americana o meu favorito sempre foi Charles Bukowski (1920 – 1994). Ele não tem papas na língua, não desliza sobre ondas de momento, ou faz concessão para intelectuais. Foda-se na verdade!

Tive uma feliz surpresa quando fui atrás de um livro paradidático para o meu filho mais velho, e remexendo no mostruário de pocket-books acabei encontrando três livros do velho beberrão, “Factótum”, “Crônica de um amor louco” e “O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio” – esse último com um adicional a mais, ilustrações do genial Robert Crumb.

Como uma criança que encontra o seu gibi favorito numa banca de revista ou um adolescente que encontra o seu primeiro amor numa festa da escola, tive os olhos ofuscados pelo brilho de fã. Estava em êxtase, o último livro de Bukowski que havia lido fora “Hollywood” – a obra que narra os bastidores das filmagens de “Barfly”, na visão muito particular do escritor -, vai então que era inevitável a emoção.

A linguagem popular e trôpega de Bukowski permite uma leitura rápida, como um cruzado no queixo ou um murro seco no estômago, a pegada de sua narrativa com o personagem alter ego, Henry Chinaski, demole o moralismo hipócrita da sociedade de sua época e permite uma visão crua e real do machismo falido de um bêbado, sem maiores perspectivas de seu cotidiano, apenas vivendo.

“Factótum”, o segundo romance escrito por ele, publicado em 1975, a pecha autobiográfica permite piedade e risos da vida pouco convencional de Chinaski, que deixado de lado pelo exército na época da segunda guerra mundial e vaga sem rumo por uma América absolutamente besta, canhestra e marginal até a medula. Os caminhos trilhados que Bukowski permite a seu alter ego é dos mais sublimes da literatura marginal. Bares, peregrinações ensandecidas levam o autor a traçar um fio condutor impossível para desafiar a sua sanha de realizar um único sonho, escrever.

Ah, mas tem “Crônica de um amor louco”, cujo exemplar em rosa e preto, contrasta com a capa, uma fotografia em branco e preto, com close da vista lateral do rosto feio e cheio de cicatriz do velho safado. A sua cigarrilha e o olhar fixo em algo, a camisa listrada, tão comum a visão icônica de um escritor único.

“Crônica...” é parte integrante da obra “Ereções, ejaculações e exibicionismos”, onde o personagem Buk se torna protagonistas de situações que expõe sem dó a América dos fundos de quintais, das ruas sujas, dos bares esfumaçados e das bebidas baratas. São personagens incomuns, marginais, peregrinos da noite, insones que cruzam becos e ainda colhem restos de tragos em copos velhos. Palavras secas, respiração densa e tensa, tudo é somatório que leva a literatura de Bukowski a um nível de altíssima reverência à decadência humana, ainda que o amor seja uma palavra universal em sua linguagem chula e burlesca. Que obra é essa?!?

E tem o saboroso "O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio", uma outra série de contos curtos, publicado quatro anos após a morte de Bukowski, em 1998, e vale como registro de um diário onde o velho escritor narra com propriedade e lúcida observações os seus últimos dias. Na informação da editora, os relatos aqui publicados são trechos do seu diário de agosto de 1991 até fevereiro de 1993. O grande barato é ver as suas notas sobre as suas idas nas corridas de cavalos, onde ele encontra personagens estranhos e únicos. Afiadíssimo na sua pecha literária com pitadas de filosofia de bar, vivência e reflexões cotidianas.

Absolutamente impossível não tecer loas tão significativas para alguém que escreve com tanta responsabilidade a sua vida pessoal e ainda não ter pudor em expor seus defeitos. Três obras que complementam a impressionante história de Charles. Continuo seu fã.

RECOMENDO - Para quem ainda não conhece a vida e a obra de Charles Bukowski a Editora Conrad lançou há alguns anos a biografia "Charles Bukowski: vida e loucuras de um Velho Safado", escrito por Howard Sounes. Maiores detalhes clique AQUI. Literatura altamente recomendável.