quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Dicas de consumo pop: "Sexo" e "Rolling Stones"



DVD - "Sexo, mentiras e videotapes" - (Sex, lies and videotapes/1989) - Sempre escrevo e digo que todo amor perfeito tem um fim inesperado. É uma afirmação para dizer que tudo tem um fim, mas a duração é eterna até o momento do adeus. Apologia nada legal para românticos. Esse filme, escrito e dirigido por Steven Soderbergh (de "Onze homens e um segredo" e "Traficc"), foi feito quando ele tinha pouco mais de 20 anos e recebeu a Palma de Ouro em Cannes. É um filme relativamente muito barato, usa quatro atores fixos e uma trama incomum, mas incrivelmente atual. O roteiro tem um final coletivo, decidido pelos atores e que se situa mais coerente com o desenrolar da trama. Um advogado bem sucedido (Peter Gallagher) é casado com uma dona de casa (Andie Macdowell) que vive um fastio sexual por causa da monotonia, porém ele mantém um caso com a ardente cunhada (Laura San Giagomo). A rotina dele se altera com a chegada de um amigo de infância (James Spader) que resolve passar alguns dias na cidade. Ficamos sabendo então que o rapaz é impotente e grava em vídeo depoimentos de experiências sexuais de mulheres. Durante o decorrer do filme fica-se observando o fascínio que ele causa nas mulheres e o modo como as convence a prestar um depoimento. Tudo se transformar quando as duas mulheres da vida do advogado resolvem prestar o depoimento e tentam compreender a cabeça complexa daquele homem, que se diz impotente. Então exposições de traumas íntimos, rancor e mentiras são expostas em uma sucessão de clímaxes que conduz para uma virada na vida de cada um dos personagens. Esse foi o filme que me impressionou pela economia de diálogos, mas todos tão precisos e bem feitos, e as motivações intensas dos personagens. É fácil assimilar os medos, anseios e encontrar uma identificação sólida com a projeção traumática do personagem central, vivido por Spader - sua impotência tem uma razão fixa, porém pode servir de metáfora a uma série de questões pessoais. Esse foi um dos primeiros filmes a questionar e expor uma geração inquieta, que passava pelos anos 80 quase incólume pelo processo degenerativo da acomodação e do egoísmo emocional. O romance que poderia ser impróprio se torna uma catarse digna de um fim quase inesperado. A cena de sedução dos personagens de Andie MacDowell e James Spader, com trilha eletrônica, é um primor de sutileza e delicadeza (veja abaixo). Dos melhores filmes que assisti nos anos 80 e está na minha lista de dramas favoritos de todos os tempos.





LIVRO - "The Rolling Stone - Gravações comentadas e Discografia Completa" (2009/Larousse) - Vou ser bem sincero, eu tenho uma relação dúbia com a banda Rolling Stones, não acho a maior e melhor banda de rock de todos os tempos, como se propaga em muitos escritos e bocas de críticos musicais - apesar de achar "Exile On Main Street" (1972), o melhor disco de Blues já gravado por uma banda de rock em todos os tempos. Mas isso é uma questão pessoal. Mas acredito no poder de transformação da banda e na sua importância histórica, acho que a produção artística e musical de Mick Jagger, Keith Richards e companhia era melhor nos anos 60 e início da década de 70. Adoro o fato deles terem sido considerados os anti-beatles, pois eram mais "sujinhos", considerados marginais e alternativos. Esse mini-book de Alan Clayson é um tesouro, o título já é perfeito e traduz muito bem a intenção da obra. Mas o grande barato é ler os textos para cada disco e as histórias em sua volta. Alan traça um painel fantástico de transformação social provocada pela música, no caso o rock e, ainda mais no caso, da influência dos Rolling Stones no comportamento da juventude, principalmente quando estouraram nos Estados Unidos em meadas dos anos 60. A famosa "invasão britânica" na América é esmiuçada com propriedade. O grande barato é descobrir que os integrantes da banda logo no segundo disco "Rolling Stones 2", já havia trocado figurinha com seus ídolos, todos monstros do blues e Rythm blues. A narrativa de Mick Jagger tragando uma carteira de cigarros antes de entrar em cena para um show, onde o artista predecessor era James Brown é de arrepiar. "Jagger e Richard estavam com as mãos trêmulas ao saber que subiriam ao palco depois de Brown". O livro apresenta com detalhes cada faixa gravada, com histórias em torno de cada música, quem tocou o quê e a referência da composição (cover ou não) - incrível saber que o produtor Phil Spector (o gênio por traz por "wall sound" das girls groups dos anos 60 - The Cristals e The Ronnetes) fez parte do primeiro disco da banda, mesmo quando ela não era famosa. Até para quem não é fã dos caras, como eu, vale muito a pena. A editora Larousse tem mais dois livros tão importantes quanto necessários para compreender melhor a história do rock nos anos 60 e a sua capital influência nos anos posteriores: "Beatles" e "Bob Dylan", a quitessência da música moderna em discografia comentada. Entre AQUI e confira a dica. O livro também pode ser encomendado - pelo mesmo preço da editora - na Livraria Nobel do Porto Velho Shopping (foi lá que adquiri o meu. Só tinha esse exemplar lá).


terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Lat Septem - 777


Não me pergunte as questões que levam uma pessoa a achar graça em andar de ônibus para ir ao trabalho. É um momento de solene desilusão quando se deixa acanhar pela monotonia. Mas, as vezes, o tempo é precioso e observar é colher experiência. Dependendo da situação, é possível obter inspiração suficiente para escrever. O texto abaixo é uma variação de outro só que em dois momentos distintos.

No sétimo dia do dia sete de julho – do mês sete – do ano de 2007, às 07 horas e sete minutos, entre os seis e oito segundo senti uma palpitação no coração quando estava sentado no ônibus que me levava para o serviço. Ela entrou com um sorriso tímido, os cabelos encaracolados caindo parcialmente em um dos ombros, uma bolsa de lona e um livro do Gabriel Garcia Marques em uma das mãos ("Amor nos tempos de cólera").

Passou pela catraca e sentou na cadeira em frente onde eu estava. Segui-a com carinho nos meus olhos e sorri de canto – num gesto de cumplicidade comigo mesmo. Claro, ela nem prestou atenção, aliás, não existo pra ela, sou mais um passageiro diário do ônibus de linha.

Ainda assim me permiti os excessos de poetas inconseqüentes que se apaixonam a cada dia e tentam galgar degraus absolutos do inalcansável para tocar sua musa.

Os óculos de grau, com aros vermelhos, lhe davam um charme intelectual e sua maneira simples e despojada de vestir me arremetia a desejos nostálgicos de amigas que dormiam aninhadas em meus braços, em busca de proteção no tempo de faculdade.

Contei então que ela possuía sete pontos chaves de que sua presença me instigava a interpelá-la e extrair um assunto simples para que a conhecesse melhor. Tarefa fácil. Mas, que nada. Na sua magnânima timidez ela me olhava rapidamente e logo voltava o seu interesse para o livro que carregava.

Ela se encolhia no canto da cadeira e o lia com dedicação. Por mim tudo bem, poderia ficar longos minutos lhe olhando sem que ela percebesse que eu via em suas feições e gestos àquela procura eterna da perfeição.

Um ponto: os cabelos castanhos, enrolados graciosamente, grandes, sinuosos e perfumados com algum shampo de erva aromática;

O segundo ponto: O olhar que aprofunda na leitura, mas vez ou outra escapa no tempo um olhar de procura em volta e nem percebe que o seu ato involuntário permite um flerte;

O ponto três: a pele alva, levemente sardenta;

Quarto ponto: aparenta uma delicadeza primaveril (como assim? Vão perguntar os decifradores de charadas), ou seja, com a cor das flores mais pueris de um jardim;

Olhaí o quinto ponto: sorri como a chama delicada de uma vela em um quarto à meia luz, numa noite de verão;

E o sexto ponto: caminha angularmente reta, compassada e arqueia o tronco levemente para trás, arrebitando sua puba enquanto os braços parecem delinear movimentos dançantes, milimetricamente dosado e...

Por fim o sétimo ponto: salvo engano, me trespassa com uma lança de paixão, com um olhar fulminante que me despe por inteiro e transforma minha paixão em desejo.

O que fazer com os seus sete pontos atrativos que me permitem borbulhar doses cavalares de glicose, daqueles arroubos idiotas que somente os apaixonados se permitem?

Apreciar, olhar e entender que no dia sete de julho de 2007 - passados sete minutos até o ponto onde eu ficaria – um pedido avulso às estrelas foi concretizado: vislumbrar a perfeição, tão assimétrica, das que ficam escondidas em alguma passagem de tempo que somente a física quântica permite em teoria científica.

Não sei o seu nome, não sei de onde vem e nem para onde vai... Mas de alguma forma eu sei que ela invade minha imaginação e ousa quebrar o encanto de minha desilusão quanto ao amor. Pois, de alguma forma, um novo amor faz esquecer um velho amor... Tão simples e óbvio quanto à vida monótona da realidade urbana que eu vivo.

Hoje, não tão só... Mas com você invadindo meus sonhos vez ou outra, sou um passageiro de ônibus tão feliz quanto inspirado...