quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Micro-Conto: Através das lentes dos meus óculos eu vi... Você


Há muito, muito, muito tempo...

Incrível, mas às vezes é necessário repetir uma inspiração para tentar compreender a admiração que sinto. O ônibus de linha que eu pego para vir trabalhar, o Círcular I, estava cheio, era um pouco depois das oito e quinze da manhã e havia esquecido que a moça bonita que lia Gabriel Garcia Marques, subia duas paradas depois da minha. Ela entrou e passou pela roleta, como não havia nenhuma cadeira para sentar ela ficou olhando em volta e em seguida encontrou os meus olhos lhe admirando.

Claro, ela não sabia que eu estava admirando-a, mas fiz questão que ela percebesse que os meus olhos lhe direcionavam um interesse poético, quase sacro.

Os seus olhos miúdos, escondidos por trás das lentes de grau, me observaram rapidamente e voltaram para vista da frente. Logo depois alguém saiu e ela passou por mim, com os cabelos encaracolados caindo nos ombros. Jeito tímido, sardentinha e um ar de CDF apaixonante.

Sentou próximo de mim, mexeu na mochila de lona e pegou um livreto, folheou um pouquinho e abriu na página que queria. Enquanto buscava leitura, a sua mão direita, com dedos delicados e insinuantes, cuidava de massagear levemente as mechas de cabelos que caiam por sobre a orelha. Parecia mais uma ação repetitiva inconsciente, ainda que fosse um charme. Fiquei, vez ou outra, lhe olhando, capturando cenas para o meu registro ocular e sentimental. Ela me pegou duas vezes lhe encarando e então pude perceber, finalmente, que a linda moça que eu estava flertando notou meu interesse particular.

Sou muito tímido com essas ações quando sei que a pessoa tem um valor intelectual e social incomum, que transcende qualquer tipo de rótulo social vigente e que, definitivamente, não me interessa como expressão.

Ela parecia galgar um degrau acima dos normais, talvez por uma empatia imediata da minha parte, ou apenas um devaneio singelo, carregado de simbolismo feminino, quanto aos atrativos íntimos que me atraem numa mulher. Ela parecia alcançar e transcender todos eles.

Havia o gesto calculado, delicado, feminino, não linear com as ações que corriam em sua volta – e olha que vinculei apenas a um universo claustrofóbico e genérico que é um coletivo, um micro-coletivo (diga-se de passagem), onde tudo parece tão próximo, ainda que estejamos distantes em mundos totalmente distintos e vidas bem separadas.

É naquele micro-universo reinante do cotidiano massacrante de algumas vidas, como a minha, é que me permito vislumbrar, coser sonhos e devaneios em torno daquela figura tímida, pequena, linda, perpetuamente inspiradora para um poema.

Continuo não sabendo o seu nome, continuo não sabendo nada da sua vida, mas ela sabe tudo dos meus sonhos mais românticos e intensos. Como é isso?

Não sei, só sei que tem certas situações que o universo conspira para que seja como nunca esperamos, mas sempre desejamos.

"Tocar suas mãos... Avistar os seus olhos... Colher gestos na tua dança ao vento... Ainda que no meu imaginário... Sei que não estamos mais sós."

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Micro-Conto: Adeus, até breve!


Cena: Interior/noite
Ambiente: Pub "londrino" em Porto Velho.
Trilha ambiente: Belle and Sebastian (monte um sketch com suas canções favoritas. Aconselho ouvir os singles e selecionar pelo menos três. São todos clássicos)
Personagens:

- Figurantes circulando no bar
- Três amigas
- Trisht (homem ferido)
- Isold (mulher determinada)

(Ele está parado em frente a uma série de pequenas reproduções de telas expressionistas. Em uma das mãos um copo de Vermut com uma casca de limão e pedaço de gelo seco. Está vestido de preto).

(A luz negra, próximo ao bar, não deixa ele enxergar direito as pessoas próximas ao barman, mas é o suficiente para ele chegar até o balcão e pedir outra bebida).

Ela já estava há algum tempo no local. Reticente em uma mesa escondida no canto. Amigas do lado. Abaixou a cabeça e balançou negativamente. Pegou sua cerveja suja e tomou um gole suave. Deu um sorriso de canto e cochichou no ouvido de uma das amigas. A mais próxima. Ela franziu a testa e olhou sorrateiramente para a frente. O achou.

ISOLD - (Levantando da mesa) Eu preciso pegar uma bebida diferente no bar. Alguémvai querer?

AMIGA 1 - Vou com você!

ISOLD - Não precisa. É coisa rápida. Vou trazer só um coquetel.

As amigas se entreolharam e deram de ombros. Ela então seguiu rumo ao balcão.

O som, por incrível que pareça, não estava tão alto. Moderado, seria mais exato.

Ele dava mais um gole de sua bebida e ergueu a cabeça em direção a um grupo de amigos que se encontrava em uma mesa de sinuca. Sorriu e lembrou que havia se formado há 20 dias e que o baile de formatura fora há uma semana. Quatro anos passou rápido demais e tudo parecia um filme sem final feliz.

(Isold tocou o seu ombro. Ele virou e foi sincero ao não querer fingir que estava surpreso)

TRISHT - Não deveria vir mais aqui. Ainda é algo que me deixa deprimido.

ISOLD - Você... Puxa... (suspirando) Tô indo embora amanhã.

TRISHT - Já imaginava. Fiz tudo errado, né.

ISOLD - Não tinha porque continuar algo que eu sei que não daria certo.

TRISHT - Devia ter desconfiado, as mesmas características que me "fizeram você" são as que destróem o que sinto.

ISOLD - Nossa! Quanta dramaticidade! Você não deveria ser assim... Não faça isso com você.

TRISTH (Abaixa a cabeça e dá um grande sorriso irônico) - Eu sei... Mas foi forte e ainda sinto um vácuo. Por que?

ISOLD - E tudo merece explicação? Eu não saberia dizer, mas teria outras coisas para falar pra você e ainda tê-lo como meu melhor amigo.

TRISTH - Foi consensual, não foi?

ISOLD - (Ela fecha os olhos e comprime os lábios) - Não haveria motivo para voltar a falar nisso. Não faça.


TRISHT - Besteira minha. É a bebida. Mas você não devia ter me dado aquele tapa.

ISOLD - Ok. Essa conversa já deu. (Se irrita)

(Ela tenta se afastar dele e sente ser segura)

TRISHT - (Segurando-a pelo braço) - Espera, não vá. Desculpe.

(Ela vira para ele e balança a cabeça suavemente)

ISOLD - Ok, eu vim só me despedir, a gente não se vê desde o baile.

TRISHT - Eu já vou embora... Não vou demorar. Vai ser rápido. Posso te perguntar algo, mas não fique irritada.

(Ela olha para ele com ar de surpresa)

ISOLD - Eu não acredito... Você gosta de sofrer é?

TRISHT - Não, eu quero colocar um ponto final e no futuro ainda ser o seu melhor amigo.

ISOLD - E por que não hoje você tenta ser o meu melhor amigo.

(Ele abaixa a cabeça e logo deixa o copo com a bebida em cima do balcão)

TRISHT - Porque eu nunca menti para você sobre o que eu sentia e hoje eu não me sinto o seu melhor amigo.

(Ela arregalou os olhos)

TRISHT - Olha eu sei que você vai embora e tá namorando um cara há mais de um ano. Soube desde o começo dos riscos que corria ao colocar em jogo tudo o que criamos com o vínculo de amizade.

ISOLD - Então... Talvez eu fique noiva até.

TRISHT - Nossa! Isso eu não sabia. Bom, não importa mais mesmo...

ISOLD - E o que você quer mesmo?

TRISHT - Queria apenas dizer que aprendi uma grande lição e que talvez eu repita esse mesmo erro mais uma vez , mas não mais com você.

ISOLD - Eu fico feliz, mas eu te digo não faça isso com você. Eu tô vendo que te fiz mal.

TRISHT - (Sorri) O crédito não é só seu, mas tudo bem. Eu só queria dizer um "adeus, até breve!".

(Ela ficou observando o seu semblante. Barba por fazer, mas os olhos ainda vivos. Tão intensos quanto da primeira vez que os viu quando desenhava um rosto no caderno)

TRISHT - Te devo muito e talvez a gente passe um bom tempo sem se ver, se é que a gente vai se ver ainda algum dia.

ISOLD - Ai, ai... Seu pecado é ser dramático demais menino!

TRISHT - Ok vou fazer isso o mais rápido possível e espero que não me culpe por algo que a tenha feito infeliz.

ISOLD - A única coisa que eu sei é que somos tão parecidos em tantas coisas e queria que você, de verdade, fosse o meu melhor amigo.

TRISHT - Nunca se sabe o futuro, né? Tudo acontece, gira, transforma, mas hoje eu sei que isso é impossível. Não lamente jamais por aquilo que talvez tenha perdido, mas reflita sobre o que poderia ter ocorrido.

ISOLD - (Surpresa novamente) Como assim?

TRISHT - Meu "adeus, até breve!".

ISOLD - Ah tá. Eu... Enfim... Não vou te esquecer.

TRISHT - Eu sei... (Ele se aproxima dela).

(Rápido e com um carinho calculado, ele colocou as duas mãos no rosto dela, puxou para o seu e encostou os seus lábios nela. Entre-abriu e as bocas ficaram coladas. Ela, com os olhos arregalados, sentiu um formigamento nos pés, um frio avassalador tomou conta de seu estômago e um ímpeto de repulsa se misturou ao desejo)


Algumas pessoas em volta do casal ficaram olhando curiosas e o áudio da balada aumentou sensivelmente nas caixas de som. A luz dramática encontrou resistência e tudo parecia filtrado.

(Ela tentou desvencilhar das suas mãos segurando elas, mas parecia não ter forças. Enquanto isso o seu batom deixava marcas nos lábios dele)

Num breve momento havia trovões e brisas primaveris aludindo seus sentidos e Isold sentiu um tremor interno moderado que poderia tender a crescer. Nesse momento ela encontrou forças e interrompeu o beijo.

Ela ficou calada, assustada olhando para o rosto dele. Isold estava sem reação. Queria poder falar tudo e xingá-lo com os palavrões do mundo. O que a impedia?

TRISHT - Adeus, até breve!

Ele se distanciou dela. Virou o rosto e caminhou ao ritmo da canção até a atravessar a porta de saída do Pub londrino em Porto Velho. Nem olhou para trás.

Isold ficou um tempo olhando para a porta. Respirou fundo e pediu uma bebida ao barman.


segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Já volto...

Peço perdão aos meus fiéis leitores. Estou com alguns posts atrasados, mas que não foram colocados por alguns problemas de origem emocional e operacional. Antecipo quais são nos títulos abaixo:

- "Blogs que acesso - Parte 2 - SIMULTANEIDADE"

- "Os blogs que esqueci"

- "Micro-conto: Adeus, até breve!"

Em algum momento eu posto, faltam ajustes e adicionar links. Agradeço a compreensão. Valeu pessoal!