sexta-feira, 20 de junho de 2008

CRÍTICA – “Onde os fracos não têm vez”, em cartaz no Cine Veneza, traz essência do western moderno

INCRÍVEL - Com um atraso de seis meses, finalmente, entrou em cartaz no principal cinema de Porto Velho o filme que ganhou nas principais categorias do Oscar.

Desculpe a discrepância, mas a imagem mais clara possível que eu tenho da sujeira barroca do filme dos irmãos Ethan e Joel Coen é o espaço aberto, apresentado em panorâmicas dignas dos westerns spaghetti do mestre Sergio Leone. Filmado no Texas, o filme “Onde os fracos não têm vez” (No Country for Old Men) – em cartaz no Cine Veneza, às 21h00 -, baseado no livro de Cormac McCarthy, dos irmãos Coen, é o suprasumo do chamado western moderno, onde ação e personagens se digladiam em vista de um interesse comum, com propósitos questionáveis e visão singular sobre a tolerância humana diante do mito e a realidade.
À primeira vista o cinema dos Coen, nesse filme, se torna absoluto e auto-referente, postulando uma sólida esquematização de estilo que faz eco nos policiais que beiram o inusitado e o real – claro, da maneira particular dos diretores. Como assim fizeram no brilhante filme de estréia “Gosto de Sangue” (Blood Simple/1984) e encontrou a formatação perfeita em sua obra prima, “Fargo” (Idem/1996).
A singularidade de “Onde os fracos não têm vez” fica centrado inteiro em forma, com um estilo que homenageia claramente o diretor italiano e mestre do cinema barroco, Sergio Leone. A primeira hora inicial do filme com a apresentação da situação central e os personagens é absolutamente brilhante, com a câmera despejando panorâmicas em uma paisagem árida, desértica, suja de terra e calor sufocante. Onde encontramos a veia nervosa de um assassino meticuloso e ensandecido, Anton Chigurh (Javier Bardem, brilhante) - foto -, sendo conduzido a uma delegacia junto com um estranho instrumento de morte, um tanque de ar comprimido e uma pistola de pressão - que logo é mostrado como funciona.
Em seguida surge o soldador Llewelyn Moss (Josh Brolin) caçando cervos no deserto, utilizando uma mira telescópica e um binóculo. As imagens deixam a duplicidade da seqüência em mostrar os dois personagens em pontos díspares das eficiências correspondentes que são dirigidas em seus modos de viver. Enquanto o assassino Anton é o melhor no que faz, sem ser propriamente legal aquilo que faz de melhor, Moss é inábil quando erra o tiro no cervo, mostrando a realidade de sua falha.
Há dois pontos discutíveis, a do mito, quase super-humano que transforma a sanha assassina do personagem de Javier Bardem em uma engenharia degradante de violência e precisão, e a do homem real, de Josh Brolin, que se mostra falível, quase patético, em tentar mudar a vida de forma imprecisa e arriscada, onde as conseqüências podem ser medidas pelas suas atitudes e decisões – quase sempre erradas.
São esses dois personagens que se tornam perenes e dignos da procura do velho delegado Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones, envelhecido), que de forma assustada e desiludida acompanha a trajetória dos dois homens, cada um abrindo caminho à sua maneira, na medida em que tenta solucionar o caso da melhor forma possível, sem que isso atinja o maior número de inocentes na história. O que, no decorrer do filme, vai se mostrando um trabalho praticamente impossível.
Assim como o mito que precede os clássicos dos westerns, existe uma procura, uma perseguição, um vilão e um mocinho, porém nem sempre essa equação se adequa de forma combinada, as razões não definem, de fato, quem são os vilões e mocinhos, pois a transitoriedade do tempo em relação aos valores do homem acaba por equiparar as motivações e conseqüências. Aqui, os irmãos Coen encontram um equilíbrio evolutivo no livro de Comarc, onde os personagens são talhados sem arquétipos óbvios, mas intensos em seus propósitos.
O soldador Moss,após não conseguir acertar o cervo, caminha pelo deserto e encontra um rastro de sangue, descobre ser de um cão, segue o caminho e sem querer encontra um agrupamento de camionete abandonadas e alguns homens, que parecem ser traficantes, mortos ao redor dos veículos. Através de dedução ele descobre um grande carregamento de cocaína em uma das camionetes, depois de falar com um sobrevivente à beira da morte,segue os passos de outro possível sobrevivente ao massacre, até encontrá-lo morto sob uma árvore com uma mala contendo 2 milhões de dólares. Ele pega a mala, algumas armas e vai até o trailer onde mora.
Porém, Moss resolve voltar depois ao mesmo local e acaba sendo descoberto por outros traficantes que dão início a uma perseguição que acaba conduzindo o soldador a uma fuga desesperada com a mala recheada de dinheiro. Ele marca um ponto de encontro em uma cidade fronteiriça com a esposa para tentar despistar o seu paradeiro. E segue direto para fronteira com o México. No encalço dele o assassino Chigurh, contratado para recuperar o dinheiro, segue uma trilha onde o que não falta são corpos ou emissões de suas observações - pautadas por diálogos provocativos.
Enquanto Moss segue cambaleante o seu caminho direto até a fronteira tentando de toda forma despistar seus algozes perseguidores – ele até o momento não sabe que somente um homem vem à sua procura.
O delegado Tom Bell então acompanha simultaneamente os dois caminhos, onde acaba descobrindo uma ligação por causa da mala de dinheiro de posse de Moss.
Nessa trama surge outro perseguidor, Carson Wells (Woody Harrelson), que pouco acrescenta a história, mas tem um encontro memorável com Anton.
O momento que eclode, em um ótimo clímax, é o tiroteio entre Moss e Chigurh, que acaba gerando conseqüências abrasivas para os dois lados. Enquanto o soldador consegue cruzar a fronteira e esconder a mala, tenta buscar socorro para que seja salvo do tiro que levou na costela. Já Chigurh, ferido na perna, acaba ocasionando uma explosão para assaltar uma farmácia e pegar os medicamentos.
A partir desse ponto fica claro que os irmãos Coen propõem uma dualidade entre os dois personagens e que encontra momentos de reflexão nas palavras duras do delegado Tom, quando se depara com o resultado da perseguição de “gato e rato” entre os dois personagens com cenas de crimes e um rastro de corpos. A desilusão com que encara a situação o leva a refletir sobre o lugar que vive, o meio e as intenções dos homens. Transgressão que evolui acima da normalidade, onde se criam histórias e lendas.
Com o filme os irmãos Ethan e Joel Coen (que escreveram, produziram, dirigiram e editaram) mostram de forma barroca a contemporaneidade da linguagem do western clássico com o moderno, tornando palpáveis personagens duros e falíveis. O ponto alto é a forma, a linguagem é seca, diálogos econômicos e imagens poderosas, com situações de riscos que parecem levar o espectador a um conflito de interação entre o abominável e a admiração.
Se por um lado o ator espanhol Javier Bardem, contemplado com um Oscar (melhor ator coadjuvante) pela sua irrepreensível atuação, conduz de forma magnífica o seu assassino meticuloso e frio, Josh Brolin faz com serenidade e absoluta entrega a vertigem fuga que leva o seu personagem a uma viagem sem volta ao carregar uma mala de dois milhões de dólares que não lhe pertence.
A condução da história peca por expor vários clímaxes e deixar para a contemporização as motivações que o delegado Tom Bel, em tom melancólico, tenta elucidar. “Onde os fracos não têm vez” é um filme desigual, um dos mais violentos dos últimos anos, que não deve agradar à todos e obteve uma trajetória vitoriosa. Foram mais de 50 indicações em premiações cinematográficas, entre eles: Cannes, Globo de Ouro, Bafta e Oscar, para citar os mais importantes. A crítica americana e inglesa o classificou de obra-prima. Eu acho que o filme é superestimado, tem seus momentos de brilhantismo e um dos finais mais anti-clímax dos últimos anos, o que talvez se justifique pela proposta dos diretores, revisitar os westerns, dando uma contemporaneidade em que os personagens, amorais, dão ênfase as suas buscas, com final nunca satisfatório, mas, aqui, no caso, brusco. Por fim, "Onde os fracos não têm vez" não é nada que ultrapasse apenas em ser um filme bem feito. Nada que comprometa a carreira dos irmãos Coen, que permanecem como os mais independentes cineastas do stablisment norte-americano, e isso não é pouco nos dias de hoje.
“Fargo” ainda permanece como a obra-prima dos irmãos Coen. Sem perigo algum.