segunda-feira, 28 de julho de 2008

BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS – Uma nova forma de adaptar heróis de quadrinhos

Ilustração de Frank Miller (Batman - O Cavaleiro das Trevas)


No curto período que antecedeu a exibição ao grande público, depois da imprensa especializada, o filme “Batman – O Cavaleiro das Trevas” (Dark Nitgh/2008) – em cartaz em Porto Velho, no Cine Veneza (horário de 18h00 e 21h00) -, recebeu uma enxurrada de artigos e críticas positivas, com superlativos e exaltações raras nesses tempos rasos de filmes comerciais que servem como caça-níqueis imediatos – não desconsiderando que a continuação de “Batman Begins” (Idem/2005) não seja caça-níquel, mas se todos fossem dessa forma -. A colocação exata da maioria dos textos era de que se tratava de um filme policial e não uma adaptação onde o herói, no caso o Batman, era uma peça que complementava os personagens e uma trama intricada e muito inteligente.

Eu sou um pouco mais literal ao afirmar que o diretor Christopher Nolan fez um filme essencialmente para fãs e para não fãs, para cinéfilos e para não cinéfilos, é universal, é profundo, denso, intenso e catártico, com uma história contundente e cheia de reviravoltas, onde os personagens não são aleatórios e circulam em torno do protagonista, mas se complementam, existem motivações concretas e um vilão magnífico, Coringa, interpretado com uma força fora do comum pelo saudoso Heath Ledger – que deixa um legado que deve levar a uma indicação póstuma ao Oscar.

Impressionante que o filme imprime um feito incomum em que as seqüências, principalmente a segunda parte, são sempre superiores ao original. Batman só veio a ter a adaptação mais digna quando o roteirista David Goyer e o diretor Christopher Nolan fizeram “Batman Begins”, ignorando as adaptações anteriores, dirigidas por Tim Burton e Joel Schumacher, para mim todas descartáveis. Mas assim como “Homem-Aranha”, “X-Men” e “Hellboy”, cujas seqüências se mostraram superiores aos originais, “Batman – Cavaleiro das Trevas” é um arraso. “Cavaleiro das Trevas” foi escrito pelo diretor e seu irmão, Jonathan Nolan, baseado em uma idéia de David Goyer – que ficou conhecido por ter escrito os três filmes de “Blade”, chegando a dirigir a terceira parte – onde as referências óbvias do personagem clássico da DC Comics são respeitadas e a mitologia, principalmente aquela revigorada pelo escritor e desenhista Frank Miller nas clássicas revistas “Cavaleiro das Trevas” (1985) e “Batman – Ano Um” (1986), são elevadas a um nível cinemático digno de clássicos do cinema moderno.

A trama gira em torno de um psicopata anarquista, perceptivo, muito inteligente e que resolve transformar a cidade Gothan City no seu parque de diversões, envolvendo a máfia, o honesto promotor público Harvey Dent e Batman. Coringa desafia a máfia e promove uma grande confusão quando resolver atingir o “homem-morcego” no que ele considera o seu ponto vulnerável, a integridade física da própria cidade e de seus membros mais ilustres. Ao mesmo tempo, Batman/Bruce Wayne (Christian Bale) está em um conflito, pois busca o herói que ele acha perfeito para que conserte a caótica cidade que vive, ao mesmo tempo em que tenta recuperar um amor perdido, a promotora assistente Rachel Dawes (Maggie Gyllenhaal).

Eu seria leviano ao tentar explicar a trama central do filme sem estragar as surpresas e reviravoltas que ocorrem ao longo das suas três horas. As nuanças são tantas, as referências dos personagens clássicos e a construção icônica não se atem somente ao que está às histórias em quadrinhos, Nolan transcende e cria uma trama policial com uma teia que se entrecruza com perfeição e a ação se desenrola com impressionantes cenas que já se tornaram clássicas (o resgate de uma testemunha em Hong Kong, a perseguição de carros no centro de Gothan, onde Batman anda de moto e o clímax final, em um prédio, são antológicos). Mas o mais importante e que nas entrelinhas fica claro é a exposição do “mito do herói”, o monomito, configurado aqui num tom sombrio, de clima noir, intenso e profundamente emocional.

A jornada vivida por Batman constitui de uma viagem intensa, que rasga não somente a sua pele, mas provoca feridas emocionais e transformar a sua vida particular, onde o herói engole o homem, e o seu conflito, aqui no caso, é a busca da justiça da forma como ela se propaga nos tribunais e não como deflagrada pelo seu alter-ego, nas ruas, no combate físico, que ainda é motivo de dúvida no seio policial e em setores da sociedade de Gothan. Batman é um herói, não um super-herói, que se vale de recursos tecnológicos e por vezes se mostra falível, mas ele sabe e tem consciência de que vive num mundo extraordinário, de violência e insanidade, enfrentando desafios, em embates vitais e questiona a sua responsabilidade ou seu direito de interferir na vida do homem comum, sem que isso acarrete conseqüências que podem ser desastrosas.

A transformação do promotor Harvey Dent (Aaron Eckhart), que se torna o “vilão” (força de expressão, pois as motivações do personagem para sua vilania derivam de uma conseqüência de transformação não só física, mas psicológica), tem um dicotomia incomum, mas muito bem embasada. Que é impraticável eu descrever sob o risco de revelar uma guinada importante na trama. Mas é a vilania do Coringa que discorre a veia principal do filme, as suas ações são decorrentes unicamente da anarquia, mas tendo como foco a figura do “herói”, Batman. As suas motivações são maleficamente compreensíveis dentro do universo sombrio de Gothan City, e fica mais evidente quando em uma seqüência do filme ele fala que não quer a morte do “homem-morcego”, pois isso acabaria com os seus motivos.

Justamente no final que tudo fica claro, quando com a seqüência das reviravoltas o Comissário Gordon (Gary Oldman) estabelece um diálogo intenso com Batman, e ali fica claro a criação da mitologia do verdadeiro herói. É uma cena tocante, intensa, tensa, crucial e que vale uma referência óbvia, pois ao final vemos que é a jornada inicial desse herói consiste de desafios, num embate entre a vida a morte, sem concessões à justiça, sempre ressuscitando o propósito de sua luta, trazendo algo novo, onde o prêmio é o estabelecimento da ordem. Batman é esse herói e a partir de “Cavaleiro das Trevas” ele está intimamente ligado ao nosso consciente.

O incrível é que um filme que tem o poder de entreter sem compromisso e está na categoria de “blockbuster” (estritamente um filme comercial) ter um padrão de qualidade tão gritante quanto ao que já foi exibido esse ano e subverte o gênero das adaptações em quadrinhos para película com um status quo de pura arte, já se tornando um clássico instantâneo. Não peco ou exagero em apontar que “Batman – O Cavaleiro das Trevas” é desde já um dos melhores filmes de 2008 e se não muito, talvez, o melhor.