quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Micro-Conto: Adeus, até breve!


Cena: Interior/noite
Ambiente: Pub "londrino" em Porto Velho.
Trilha ambiente: Belle and Sebastian (monte um sketch com suas canções favoritas. Aconselho ouvir os singles e selecionar pelo menos três. São todos clássicos)
Personagens:

- Figurantes circulando no bar
- Três amigas
- Trisht (homem ferido)
- Isold (mulher determinada)

(Ele está parado em frente a uma série de pequenas reproduções de telas expressionistas. Em uma das mãos um copo de Vermut com uma casca de limão e pedaço de gelo seco. Está vestido de preto).

(A luz negra, próximo ao bar, não deixa ele enxergar direito as pessoas próximas ao barman, mas é o suficiente para ele chegar até o balcão e pedir outra bebida).

Ela já estava há algum tempo no local. Reticente em uma mesa escondida no canto. Amigas do lado. Abaixou a cabeça e balançou negativamente. Pegou sua cerveja suja e tomou um gole suave. Deu um sorriso de canto e cochichou no ouvido de uma das amigas. A mais próxima. Ela franziu a testa e olhou sorrateiramente para a frente. O achou.

ISOLD - (Levantando da mesa) Eu preciso pegar uma bebida diferente no bar. Alguémvai querer?

AMIGA 1 - Vou com você!

ISOLD - Não precisa. É coisa rápida. Vou trazer só um coquetel.

As amigas se entreolharam e deram de ombros. Ela então seguiu rumo ao balcão.

O som, por incrível que pareça, não estava tão alto. Moderado, seria mais exato.

Ele dava mais um gole de sua bebida e ergueu a cabeça em direção a um grupo de amigos que se encontrava em uma mesa de sinuca. Sorriu e lembrou que havia se formado há 20 dias e que o baile de formatura fora há uma semana. Quatro anos passou rápido demais e tudo parecia um filme sem final feliz.

(Isold tocou o seu ombro. Ele virou e foi sincero ao não querer fingir que estava surpreso)

TRISHT - Não deveria vir mais aqui. Ainda é algo que me deixa deprimido.

ISOLD - Você... Puxa... (suspirando) Tô indo embora amanhã.

TRISHT - Já imaginava. Fiz tudo errado, né.

ISOLD - Não tinha porque continuar algo que eu sei que não daria certo.

TRISHT - Devia ter desconfiado, as mesmas características que me "fizeram você" são as que destróem o que sinto.

ISOLD - Nossa! Quanta dramaticidade! Você não deveria ser assim... Não faça isso com você.

TRISTH (Abaixa a cabeça e dá um grande sorriso irônico) - Eu sei... Mas foi forte e ainda sinto um vácuo. Por que?

ISOLD - E tudo merece explicação? Eu não saberia dizer, mas teria outras coisas para falar pra você e ainda tê-lo como meu melhor amigo.

TRISTH - Foi consensual, não foi?

ISOLD - (Ela fecha os olhos e comprime os lábios) - Não haveria motivo para voltar a falar nisso. Não faça.


TRISHT - Besteira minha. É a bebida. Mas você não devia ter me dado aquele tapa.

ISOLD - Ok. Essa conversa já deu. (Se irrita)

(Ela tenta se afastar dele e sente ser segura)

TRISHT - (Segurando-a pelo braço) - Espera, não vá. Desculpe.

(Ela vira para ele e balança a cabeça suavemente)

ISOLD - Ok, eu vim só me despedir, a gente não se vê desde o baile.

TRISHT - Eu já vou embora... Não vou demorar. Vai ser rápido. Posso te perguntar algo, mas não fique irritada.

(Ela olha para ele com ar de surpresa)

ISOLD - Eu não acredito... Você gosta de sofrer é?

TRISHT - Não, eu quero colocar um ponto final e no futuro ainda ser o seu melhor amigo.

ISOLD - E por que não hoje você tenta ser o meu melhor amigo.

(Ele abaixa a cabeça e logo deixa o copo com a bebida em cima do balcão)

TRISHT - Porque eu nunca menti para você sobre o que eu sentia e hoje eu não me sinto o seu melhor amigo.

(Ela arregalou os olhos)

TRISHT - Olha eu sei que você vai embora e tá namorando um cara há mais de um ano. Soube desde o começo dos riscos que corria ao colocar em jogo tudo o que criamos com o vínculo de amizade.

ISOLD - Então... Talvez eu fique noiva até.

TRISHT - Nossa! Isso eu não sabia. Bom, não importa mais mesmo...

ISOLD - E o que você quer mesmo?

TRISHT - Queria apenas dizer que aprendi uma grande lição e que talvez eu repita esse mesmo erro mais uma vez , mas não mais com você.

ISOLD - Eu fico feliz, mas eu te digo não faça isso com você. Eu tô vendo que te fiz mal.

TRISHT - (Sorri) O crédito não é só seu, mas tudo bem. Eu só queria dizer um "adeus, até breve!".

(Ela ficou observando o seu semblante. Barba por fazer, mas os olhos ainda vivos. Tão intensos quanto da primeira vez que os viu quando desenhava um rosto no caderno)

TRISHT - Te devo muito e talvez a gente passe um bom tempo sem se ver, se é que a gente vai se ver ainda algum dia.

ISOLD - Ai, ai... Seu pecado é ser dramático demais menino!

TRISHT - Ok vou fazer isso o mais rápido possível e espero que não me culpe por algo que a tenha feito infeliz.

ISOLD - A única coisa que eu sei é que somos tão parecidos em tantas coisas e queria que você, de verdade, fosse o meu melhor amigo.

TRISHT - Nunca se sabe o futuro, né? Tudo acontece, gira, transforma, mas hoje eu sei que isso é impossível. Não lamente jamais por aquilo que talvez tenha perdido, mas reflita sobre o que poderia ter ocorrido.

ISOLD - (Surpresa novamente) Como assim?

TRISHT - Meu "adeus, até breve!".

ISOLD - Ah tá. Eu... Enfim... Não vou te esquecer.

TRISHT - Eu sei... (Ele se aproxima dela).

(Rápido e com um carinho calculado, ele colocou as duas mãos no rosto dela, puxou para o seu e encostou os seus lábios nela. Entre-abriu e as bocas ficaram coladas. Ela, com os olhos arregalados, sentiu um formigamento nos pés, um frio avassalador tomou conta de seu estômago e um ímpeto de repulsa se misturou ao desejo)


Algumas pessoas em volta do casal ficaram olhando curiosas e o áudio da balada aumentou sensivelmente nas caixas de som. A luz dramática encontrou resistência e tudo parecia filtrado.

(Ela tentou desvencilhar das suas mãos segurando elas, mas parecia não ter forças. Enquanto isso o seu batom deixava marcas nos lábios dele)

Num breve momento havia trovões e brisas primaveris aludindo seus sentidos e Isold sentiu um tremor interno moderado que poderia tender a crescer. Nesse momento ela encontrou forças e interrompeu o beijo.

Ela ficou calada, assustada olhando para o rosto dele. Isold estava sem reação. Queria poder falar tudo e xingá-lo com os palavrões do mundo. O que a impedia?

TRISHT - Adeus, até breve!

Ele se distanciou dela. Virou o rosto e caminhou ao ritmo da canção até a atravessar a porta de saída do Pub londrino em Porto Velho. Nem olhou para trás.

Isold ficou um tempo olhando para a porta. Respirou fundo e pediu uma bebida ao barman.


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