terça-feira, 7 de julho de 2009

Saudade... - Tomo III


É tão perto assim, ombro a ombro, como velho amigos que conversam sobre assuntos que parecem tão adultos, mas apenas palavras de confiança e expectativa. No ápice das descobertas, no calor dos 17 e 18 anos, já havia passado quase um ano e meio da primeira turma e a descoberta da minha música essencial.

Leituras básicas surgiam na minha vida e reiniciava o meu prazer por pintar. Descobria cores, matizes, tons e sobretons, paletas artesais em cores diversas e inspirações - era medíocre, reproduzindo nus femininos e natureza. Mas achava interessante para quem nunca havia pintando um quadro à óleo.

Devorei "A Sangue Frio", de Truman Capote, sorri com "Pássaros Feridos", de Collen McCullough, e draguei para os meus temores pessoais "Cristhine", "O Cemitério" e "O Iluminado" de Stephen King, e já chorava lendo Vinícius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade, mas nada era tão apaixonante quanto as aventuras descritas por Conan Doyle e o raciocínio lógico de Sherlock Holmes, e ainda me deliciava com os gibis.

Estava decidido a (sobre) viver da escrita depois de ler "O Cavaleiro das Trevas", de Frank Miller (reeleitura violenta e arrojada de Batman), "Watchmen", de Alan Moore e Dave Gibbons e "Sandman" de Neil Gailman (fantástica reileitura de um personagem quase esquecido da DC Comics). E olha que achava que a gênese de tudo isso ainda era o "Homem Aranha", o personagem perfeito para minha adolescência. Tudo dava errado e parecia sempre haver uma conspiração desleal da vida contra o meu aprendizado de viver. Me sentia, às vezes, um desgraçado do destino.

Mas diante de todo esse erudismo pop de um comum adolescente procurando sobreviver a natureza selvagem das relações, havia um sentimental inquieto e que ainda brigava com a sua timidez.

No Anglo, logo após o fracasso de ter passado pelo colégio Einstein (que ficava na ladeira da Gonçalves Dias, onde hoje funciona o sindicato dos bancários), me deixei levar por uma experiência de entrega às neuras juvenis. Tava tomado pela experiência reconfortante de ouvir e reouvir o disco (de vinil) "Dois", do Legião Urbana, e ainda descobrir que existiam bandas brasileiras que escreviam minhas inquietações juvenis e que não ficavam somente fadados aos versos de Renato Russo. Era uma experiência pueril ouvir de cabo a rabo "Vivendo e não aprendendo", do Ira!, e esgoelar até a faringe arranhar "Bichos Escrotos", dos Titãs, com o rebelde "Cabeça Dinossauro".

Encantado, me apaixonava cada vez mais pelos versos em inglês das bandas britânicas. "I know it's over", dos The Smiths, era a minha canção-balada favorita, "Darklands", o segundo disco do Jesus And Mary Chain, era o disco mais doce e belo da minha vida. Descobrir Joy Division tão tarde foi um choque de percepção sonora. Demorei algum tempo para absorver "Closer" e, ainda mais, "Unknow Pleasures" (respectivamente o segundo e o primeiro discos da banda de Ian Curtis).

E em meio a tudo isso tinha um colega (amigo de ocasião) mineiro, o Jackson, tão prepotente que se tornava encantador pela sua sincera amizade de querer corrigir os outros. Tinha a loura encantadora e ingênua, Rita, tão "candy" que inspirou meu primeiro quadro a óleo. Mas era apenas amiga mesmo. Tinha o Rony, que era gordo, engraçado, genial e, francamente, uma figuraça. Naquele tempo o Anglo era famoso pela sua gingana estudantil e todos tínhamos em comum a alegria de viver como jovens, adolescentes na busca da maioridade.

Se em 1986 perdi alguns amigos... Adeus Jackson, tchau Rita (ele foi virar artista plástica, dizem que eu a inspirei a fazer isso depois que lhe mostrei o quadro que pintei em sua homenagem). Em 1987, em vista do que o colégio Anglo poderia oferecer, me tornei, pela primeira vez, uma referência de conversa, bom papo e conhecimento de cultura pop. Lia muito, ouvia música demais e a maioria dos meus discos eram comprados de uma loja de São Paulo, a Wop Bop, via correio.

Surgiu a segunda turma depois que entrei no grupo do terceirão para participar da gingana. Que ocorria uma vez por ano em um sábado qualquer, durante todo o dia. A cidade parava. Mas era perigoso. Carros, jovens, tarefas difíceis para cumprir. Cada grupo tinha um nome. O meu grupo tinha um nome escroto e era a camisa mais feia de todas, pintada a mão com tinta para tecido. O nome era: "Pi K ao Cubo". Ridículo. Mas ali se reuniram amigos que chamavamos de "uma saudade incandescente" a cada lembrança.

No final daquele dia de gingana, quando o nosso grupo ficou em terceiro lugar, todos se reuniram no Mirante 2 e ali descobrimos paixões em comuns, conversas iguais e uma sofisticação de diálogos que só os mais experientes poderiam ter e os novatos aprender. Eu ficava no meio termo. Tinha o Márcio, magrinho, louro e o primeiro violonista; tinha o Henrique, de sorriso fácil, temperamento doce e palavras profundas, sempre em volta de paixões platônicas bem resolvidas, e tinha o Sandro, naquele tempo, o cara menos sortudo da turma e o de maior coração, o que falar dos irmãos Buzatto, Jacques e Max, gaúchos, que tinham sotaques forte e não se falavam entre si. Claro havia os outros que circundavam a gente. As meninas que ficavam em nossa volta.

Descobri as baladas. Metropólis e o Yes Bananas viraram referências de encontros e paqueras. A partir daquele fim de tarde do encerramento da gingana parecia que tínhamos criado um pacto de canções e revelações. "Às vezes parecia que, de tanto acreditar/ Em tudo que achávamos tão certo,/ Teríamos o mundo inteiro e até um pouco mais (...)" - Andrea Doria -.

E tínhamos o colégio e os encontros extra-classe, regados a cerveja, drinks, canções e sorrisos. De repente descobri que Jacques, Henrique e Sandro eram os amigos de toda a vida, viramos uma quadrilha de jogos da verdade, revelações perigosas, conversas sinceras, danças, baladas, momentos de diversão com outros de tensão. Não havia segredos, mas verdades não ditas, ainda que fossem contidas pela razão de sermos jovem. Tudo parecia tão eterno.

Uma madrugada, depois de uma noite de danças e diversão, eu e Henrique sentamos na beira da calçada na rua Gonçalves Dias com a avenida Sete Setembro, próximo ao Cine Lacerda (que ainda funcionava). Sem trilha sonora, mas de forma sincera, conversamos sobre nossos medos e o futuro. Perguntei então: "Onde estaremos daqui a 1o anos...", antes que terminasse o questionamento, ele rebateu com um sorriso: "Em algum lugar que não esperamos, mas que deve ser aquele que merecemos". Sempre filosofando.

Solange já não devia existir mais na minha vida, depois de uma intensa paixão que resultou em uma experiência desconfortante e sublime - é, assim mesmo, contraditória.

Imagens estáticas, como polaróides, esmaecidas. Era tudo divertido, mas rápido, rápido demais. Eu andava de preto, havia descoberto o termo "dark" e já achava que "Standing on a Beach" era a coletânea mais brilhante da década e "Boys don't cry" o single mais popular do The Cure. Acordes fáceis de violão e todos da turma pensávamos que sabíamos a letra de cor, apesar de cantarmos só foneticamente.

Camisa preta com o rosto de Ian Curtis em silk screen, calça jeans de cor preta e, claro, um All Star preto. Só não pintava os olhos, pois achava ridículo. Mas escrevia poesias densas e estranhas e tinha todas aquelas meninas apaixonadas, de olhares intensos, bocas grandes e magreza absoluta. Estava entediado com algumas coisas e os meus queridos amigos se preparavam para mais um passo para a maturidade. Márcio, o violonista, estava indo embora, a turma estava se desfazendo, mas surgiu o Fábio, e ainda permanecia a quadrilha (Eu, Henrique, Jacques e Sandro), sem saber que o destino preparava a teia para a primeira quinada da minha vida, com ecos que se desdobrariam por décadas. Findava 1987 e 1988 era um passo que marcaria a minha geração. Pétalas de rosas, versos adocicados e uma nova letra no meu caderno de novas paixões: "Z". Em instantes, eu começava a embarcar na terceira turma... Momentos intensos e experiências inesquecíveis. Tudo lembrava música urbana, como eu, urbano.

"Não me importam os seus atos
Eu não sou mais um desesperado
Se ando por ruas quase escuras
As ruas passam...." (Música Urbana/Composição: André Pretórios/Flávio Lemos/Renato Russo/Fê Lemos)

Um comentário:

Fabio Coelho disse...

Cara, que leitura gostosa! Já estou com pena dela ter somente "10 tomos".