domingo, 1 de novembro de 2009

CRÍTICA - “Bastardos Inglórios”, de Tarantino, periga ser um dos melhores filmes do ano


É notável o poder de manipulação e a inserção de referências cinematográficas na obra do diretor Cult/pop Quentin Tarantino, o seu mais recente filme, “Bastardos Inglórios” (Inglourious Basterds/2009) é um caldeirão referente as dois gêneros distintos, mas interligados pela comoção vingativa, os filmes de guerra e os western – nesse último, com dose maciça ao western spaghetti do mestre Sergio Leone.

“Bastardos...” é uma fita que homenageia um filme de ação italiano situado na 2ª Guerra Mundial chamado “O Expresso Blindado da SS Nazista” (Quel Maledetto Treno Blindato/1978), dirigido por Enzo G. Castellari, que por sinal faz uma aparição no filme de Tarantino interpretando a si mesmo. Mas é também uma variação do tema dos soldados norte-americanos que buscam vingança contra os nazistas e planejam um ataque suicida, como ocorre no clássico de guerra, “Os Doze Condenados” (The Dirty Dozen/1967), de Robert Aldrich.

Mas é na fonte dos western spaghetti que Tarantino tira suas melhores inspirações, desde a escolha da trilha sonora do maestro Ennio Morricone até a abertura belíssima do filme ao mostrar uma fazenda francesa, enquanto um homem corta lenha e ao longe, por uma estrada empoeirada se aproxima uma guarda nazista, que a primeiro momento não se reconhece, mas, logicamente, se sabe.

A música que toca ao fundo é do filme “O Álamo” (Alamo/1960), filme protagonizado e dirigido por John Wayne, mas o plano aberto e os cortes para close nos olhos, a expectativa e o campo como cenário parece saído de “Três homens em conflito” (Il Buono, Il brutto, Il cativo/1966) e “Era uma vez no Oeste” (C'Era Una Volta Il West/1968), ambos de Leone.

Dividido em blocos distintos, com capítulos e títulos, mas seguindo a ordem cronológica dos fatos que quer mostrar, Tarantino apresenta aqui uma liberdade grande do que não está na história e só ele consegue fazer um filme em que os fatos narrados são utópicos, por isso mesmo dividiu a crítica européia. Em Cannes o filme foi recebido friamente. Mas “Bastardos Inglórios” era o filme sobre a 2ª Guerra que Quentin Tarantino sempre sonhou em fazer e da sua forma, com citações referentes, com diálogos espirituosos e bem feitos, situações explosivas (literalmente) e com personagens difusos – perceba que o diretor é capaz de criar personagens inesquecíveis, mas apenas o suficiente para as situações propostas no filme. Proposital ou não, o diretor não quer que nos “apegamos” demais aos personagens, mesmo os ditos “mocinhos”, que são tão amorais quanto os seus antagonistas.

No filme, logo no primeiro capítulo, um oficial da SS Nazista, coronel Hans Landa (Christoph Waltz,em extraordinária atuação, roubando todas as cenas em que aparece), conhecido como “Caçador de Judeus”, vai entrevistar um fazendeiro francês, Perrier LaPadite (Denis Menochet), suspeito de ter escondido uma família judia. No encontro, Hans Landa, apresenta o seu poder de persuasão e raciocínio lógico para conduzir a conversa até onde ele quer, para obter sucesso na sua missão. É um feeling notável de tensão e expectativa. Desse momento nasce o estopim para um plano de vingança incrível contra o generelado alemão.

Depois somos apresentados ao grupo de soldados norte-americanos judeus liderados por Aldo Raine (Brad Pitt, careteiro, mas sem comprometer) cuja missão é matar o maior número possível de nazistas, das formas mais violentas que for, mas, principalmente, usando o “escalpelo” como marca registrada.

Tudo poderia cair no exagero e ridículo se não fosse o fato de Tarantino ter um poder de manipulação notável, como toda a sequência em que o próprio Adolf Hitler (Martin Wuttke) aparece, irado com a barbárie que vem disseminando os seus soldados pela tropa de Aldo Raine e assistimos através da narrativa de um soldado sobrevivente como age os soldados judeus - com um humor negro para poucos.

Mas é através de uma francesa judia, Mimiex/Shosanna (Mélanie Laurent), que gerencia um cinema , que se conhece o soldado alemão e herói da SS, Fredrick Zoller (Daniel Brühl), que fica encantado com ela, para depois convidá-la para um tenso encontro num Café onde ela fica conhecendo o cineasta Goebbels que dirigiu um filme propaganda para a campanha nazista de Hitler, intitulado “O Orgulho da Nação”, que usa como história o fato do soldado Fredrick ter matado quase 200 soldados inimigos ao ficar confinado por quatro dias no alto de uma edificação com munição suficiente para derrotar um exército. Por sinal Fredrick interpreta a si mesmo no filme de Goebbels.

O diretor do filme e o comando nazista decidem então lançar o filme no cinema de Mimieux, reunindo os generais alemães e até o próprio Hitler. Essa oportunidade é vista como uma chance única de acabar a guerra matando o próprio ditador. Com a ajuda de Aldo Raine e seus soldados a situação é perfeita para o que é chamado pelo comando das tropas aliadas de “Operação Kino”, explodir o cinema com todos os generais do alto comando nazista dentro. Para isso Aldo conta com a ajuda da atriz alemã e agente infiltrada Bridget Von Hammersmark (Diane Kruger, a Helena de “Tróia”). Mas, Mimieux, a dona do cinema elabora uma vingança ainda mais cruel, junto com o seu parceiro - um afro-descendente que é amante e projecionista -, em vista do sofrimento que passou ao ver toda sua família ser morta pelos alemães.

Expor todas as sequências de “Bastardos Inglórios” seria estragar também momentos incríveis, como a catártica e violenta cena do bar, ou ainda desconsiderar o ápice da vingança num final apoteótico, ainda que exista um epílogo irônico e perfeito.

O filme tem outras referências que faz a graça de qualquer cinéfilo. Basta dizer que no capítulo um além de Leone, a cena da porta aberta na sua conclusão é uma citação clara do clássico western de John Ford, “Rastros de Ódio” (The Searches/1956). A apresentação da personagem de Shosanna/Mimeux, no capitulo 3, é uma homenagem ao cineasta François Truffaut (um dos criadores da Nouvelle Vague francesa).

Em determinado momento do filme a música-tema de “O Dólar Furado” se integra a cena de forma precisa e harmoniosa. Tudo está bem para Tarantino que sabe casar catarse com referência, a despeito de qualquer maniqueísmo risível, mas é preciso, calculado e muito bem feito.

Entre as curiosidades do filme basta dizer que um dos soldados judeus de Aldo Raine é interpretado pelo cineasta Eli Roth (diretor dos trashes “Cabana do Inferno” e os dois “Albergues”), ele faz Urso Judeu Donny, que sempre usa um taco de baseball para matar os nazistas – ele tem uma sequência violentíssima no início do filme. Eli Roth é também o diretor responsável pelas cenas do filme “O Orgulho da Nação”, que é exibido no cinema para os nazistas.

Os cartazes dos filmes mostrados nas paredes do cinema de Paris são verdadeiros e servem para Tarantino homenagear alguns cineastas importantes da história do cinema, como: Clouzot, Anthonio Margheritti, Ulmer, Pabst e até a discutível, mas importante documentarista alemã Leni Reifensthal.

Mas vale ressaltar que apesar de todas as referências citadas e ainda outras que escapuliram, o filme funciona perfeitamente sem precisar saber delas, pois é incrível como Tarantino consegue reciclar à sua maneira velhas histórias e criar algo novo. Não é o retrato real dos fatos que fizeram da 2ª Guerra um dos momentos mais importantes do século 20, mas a maneira particular de como ela deveria ter sido para aqueles que acreditam em utopia e/ou buscam apenas diversão. Pode agradar uns e aborrecer os mais ranhetas, mas desde já, para mim, é um dos melhores filmes de 2009.

“Bastardos Inglórios” está em cartaz no Cine Araújo, no Porto Velho Shopping .

TRAILER



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