terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Lat Septem - 777


Não me pergunte as questões que levam uma pessoa a achar graça em andar de ônibus para ir ao trabalho. É um momento de solene desilusão quando se deixa acanhar pela monotonia. Mas, as vezes, o tempo é precioso e observar é colher experiência. Dependendo da situação, é possível obter inspiração suficiente para escrever. O texto abaixo é uma variação de outro só que em dois momentos distintos.

No sétimo dia do dia sete de julho – do mês sete – do ano de 2007, às 07 horas e sete minutos, entre os seis e oito segundo senti uma palpitação no coração quando estava sentado no ônibus que me levava para o serviço. Ela entrou com um sorriso tímido, os cabelos encaracolados caindo parcialmente em um dos ombros, uma bolsa de lona e um livro do Gabriel Garcia Marques em uma das mãos ("Amor nos tempos de cólera").

Passou pela catraca e sentou na cadeira em frente onde eu estava. Segui-a com carinho nos meus olhos e sorri de canto – num gesto de cumplicidade comigo mesmo. Claro, ela nem prestou atenção, aliás, não existo pra ela, sou mais um passageiro diário do ônibus de linha.

Ainda assim me permiti os excessos de poetas inconseqüentes que se apaixonam a cada dia e tentam galgar degraus absolutos do inalcansável para tocar sua musa.

Os óculos de grau, com aros vermelhos, lhe davam um charme intelectual e sua maneira simples e despojada de vestir me arremetia a desejos nostálgicos de amigas que dormiam aninhadas em meus braços, em busca de proteção no tempo de faculdade.

Contei então que ela possuía sete pontos chaves de que sua presença me instigava a interpelá-la e extrair um assunto simples para que a conhecesse melhor. Tarefa fácil. Mas, que nada. Na sua magnânima timidez ela me olhava rapidamente e logo voltava o seu interesse para o livro que carregava.

Ela se encolhia no canto da cadeira e o lia com dedicação. Por mim tudo bem, poderia ficar longos minutos lhe olhando sem que ela percebesse que eu via em suas feições e gestos àquela procura eterna da perfeição.

Um ponto: os cabelos castanhos, enrolados graciosamente, grandes, sinuosos e perfumados com algum shampo de erva aromática;

O segundo ponto: O olhar que aprofunda na leitura, mas vez ou outra escapa no tempo um olhar de procura em volta e nem percebe que o seu ato involuntário permite um flerte;

O ponto três: a pele alva, levemente sardenta;

Quarto ponto: aparenta uma delicadeza primaveril (como assim? Vão perguntar os decifradores de charadas), ou seja, com a cor das flores mais pueris de um jardim;

Olhaí o quinto ponto: sorri como a chama delicada de uma vela em um quarto à meia luz, numa noite de verão;

E o sexto ponto: caminha angularmente reta, compassada e arqueia o tronco levemente para trás, arrebitando sua puba enquanto os braços parecem delinear movimentos dançantes, milimetricamente dosado e...

Por fim o sétimo ponto: salvo engano, me trespassa com uma lança de paixão, com um olhar fulminante que me despe por inteiro e transforma minha paixão em desejo.

O que fazer com os seus sete pontos atrativos que me permitem borbulhar doses cavalares de glicose, daqueles arroubos idiotas que somente os apaixonados se permitem?

Apreciar, olhar e entender que no dia sete de julho de 2007 - passados sete minutos até o ponto onde eu ficaria – um pedido avulso às estrelas foi concretizado: vislumbrar a perfeição, tão assimétrica, das que ficam escondidas em alguma passagem de tempo que somente a física quântica permite em teoria científica.

Não sei o seu nome, não sei de onde vem e nem para onde vai... Mas de alguma forma eu sei que ela invade minha imaginação e ousa quebrar o encanto de minha desilusão quanto ao amor. Pois, de alguma forma, um novo amor faz esquecer um velho amor... Tão simples e óbvio quanto à vida monótona da realidade urbana que eu vivo.

Hoje, não tão só... Mas com você invadindo meus sonhos vez ou outra, sou um passageiro de ônibus tão feliz quanto inspirado...

Um comentário:

Unknown disse...

Pra mim, o melhor postde todos. Vivi uma história parecida com essa que voce relatou. Você é um exemplo pra mim.