segunda-feira, 12 de maio de 2008

Notas do "factótum"

Foto/legenda: Charles Bukowski em sua área de lazer favorita depois de escrever.


De manhã cedo, quando vou trabalhar, depois de ter levado meus dois filhos às suas respectivas escolas, eu pego o ônibus, com a minha mochila onde está o notebook, ao sentar ao lado da janela eu tiro um dos meus pocket-books favoritos (da extraordinária coleção da editora gaúcha L&PM) desses últimos dias, "Factótum", do Charles Bukowski, que está na bolsa da frente.

Difícil eu segurar o riso ou a melancolia quando passo as páginas de leitura com o que o velho safado escreve. São escritos que retratam o seu personagem alter-ego, Henry Chinaski, beberrão, desencanado, mulherengo, sem noção, etc. As situações são burlescas, enfadonhas, engraçadas, com uma poesia urbana metódica e rarefeita, quase imperceptível aos não acostumados.

Publicado em 1975, o livro é um "romance", para variar, auto-biográfico, onde o autor narra suas aventuras logo depois de ter sido recusado pelo exército para ir à 2a. Guerra. Chinaski circula em diversos empregos - encontrando patrões cada vez mais loucos -, mora um tempo com os pais, mesmo tendo que pagar pelo quarto e a comida, fode "ene" mulheres (de diversos naipes), se envolve com uma troupe de pervertidos, onde um velho milionário dar as cartas, passa um tempo com uma bêbada, onde chega roubar um pepino, mas se dá mal. Claro, bebe, bebe, mas bebe pra caralho, como uma verdadeira "mosca de bar" (me perdoem o trocadilho referente - Barfly).

Eu tenho, preciso colocar aqui alguns trechos maravilhosos desse livro e que me fazem ser um fiel leitor de suas agruras, sejam em forma de poesia ou prosa (como essa).


"(...) Naquela noite, meu pai apareceu com os trinta dólares. Ao sairmos, seus olhos estavam úmidos.
- Você desgraçou sua mãe e a mim - ele disse. Parece que eles conheciam um dos policiais, que acabou por lhe perguntar, "Sr. Chinaski, o que seu filho está fazendo aqui?".
- Fiquei envergonhado demais. Meu próprio filho na prisão...
Caminhamos até seu carro, entramos. Ele deu a partida. Seguiu com as lamúrias.
- Já era bastante ruim que você não quisesse servir a seu país neste momento de guerra...
- O psiquiatra disse que e não estava apto.
- Meu filho, se não fosse pela Primeira Guerra Mundial eu nunca teria conhecido a sua mãe e você não teria nascido.
- Tem um cigarro?
- Agora você vai parar na cadeia. Uma coisa dessas é capaz de matar sua mãe.
Passamos por alguns botecos na baixa Broadway.
- Vamos entrar num desses e tomar um trago.
- O que? Você está me dizendo que tem coragem de beber logo após ter ido parar na cadeia por embriaguez?
- É justamente quando mais se precisa de um trago.
- Não ouse dizer a sua mãe que você, mal saiu da cadeia, precisa de um trago - ele me advertiu.
- Também preciso de um rabo.
- O quê?
- Disse que preciso de um rabo.
Ele quase cruzou um sinal vermelho. Depois seguimos em silêncio.
- A propósito - ele disse por fim -, preciso lhe dizer que o valor da fiança será adicionado às despesas de quarto, comida e roupa lavada? (...)". - Página 27, Capítulo 14.

"(...) Ela deu meia-volta e caminhou lentamente até a porta. Sua bunda se movia sob a saia negra apertada; suas pernas eram douradas. Junto à soleira, ela parou e se virou, deitando seus olhos negros novamente sobre mim, deixando-os ficar. Fiquei pasmado, em brasa. No momento em que percebeu minha reação, lançou a cabeça para trás e deu uma gargalhada. Tinha um pescoço adorável e toda aquela cabeleira negra. Ela desapareceu no corredor, deixando a porta entreaberta. (...)". - Página 45, Capítulo 23.

"(...) As discussões eram sempre iguais. Eu entendia a questão perfeitamente - os grandes amantes eram sempre homens desocupados. Eu trepava melhor sendo um vagabundo do que tendo que bater ponto.
Jan iniciou seu contra-ataque, que era discutir comigo, deixar-me furioso e usar isso como desculpa para sair, percorrer os bares. Tudo o que ela precisava fazer era sentar-se sozinha ao balcão que as bebidas e outras ofertas seriam conseqüência. Naturalmente, eu considerava aquilo injusto da parte dela. (...)" - Página 92, Capítulo 48.

Perfeito. De fato Bukowski é um puta escritor. Procure o livro e veja que não estou de todo errado.

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