sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Parti...




Parti sem pelo menos uma última vez ver o teu rosto
Guardar aquele sorriso que sempre me pareceu um arco-íris
Ouvir tuas reclamações e ainda assim achar que isso era poesia

Parti sem tocar teus cabelos novamente....
Deixando de lado as lembranças dos risos, das briguinhas
Daquela comunhão que um dia chamei de "namoro de amigo"

Parti para não poder voltar tão cedo
Sem poder olhar pra trás e ver que tudo foi só um momento
Um sonho breve, um retrato antigo que se perdeu...

Parti e não entendi o que houve, mas compreendi que não podia ficar mais.
Como um anjo, almejo meu vôo para longe e de cima
logo abaixo das nuvens, apenas te observarei....

Sorri quando estiver feliz... Tentar acalentar quando estiver triste
Poder enxugar as lágrimas, mas, principalmente, dividir o mesmo sorriso
Quando olhar no horizonte e ver que tudo pode ser apenas
uma miragem do Sol...

O tempo...

Parti e deixei um pedaço de chão... fiquei sem apoio
mas se um dia eu puder ver que de alguma forma te fiz ser alguém melhor
do que pra mim já é....
Vou ser o amigo que sempre estará nos seus melhores sonhos
E o amor eterno dos abraços que solidificaram nossa amizade...

por tudo... eu sempre digo...

Te amo pelo que é.... Não pelo que foi... Nem pelo que será...
Basta dizer... Te amo!

Parti...

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

NO DELICIOSO SABOR DO DESEJO PECAMINOSO


00h23 – É uma madrugada de domingo, sim, daquela que surge depois da meia-noite de sábado. O MP3 do carro está no volume médio e ouço "Chico Buarque Song's", da extinta banda paulistana Fellini enquanto Ana Paula (nome fictício, que eu não sou doido em escrever o verdadeiro, mesmo porque ela é um doce pessoa e não gostaria de perder a sua amizade) sorri e me conta do seu projeto viajar para São Paulo daqui alguns meses, visitar a família.

Sua voz é rouca e metida em câmera lenta, com uma fonética torpe deliciosa. Os densos cabelos escuros e longos esvoaçam com o vento que entra pela janela do carro enquanto corro pela avenida que segue pelo Espaço Alternativo, rumo ao aeroporto. No ar o inebriante perfume de jasmim impregna minhas narinas enquanto finjo que não devo me apaixonar por ela.

Uma hora antes eu a apanhei na casa da sua tia. Próximo ao centro da cidade, só ela estava acordada. Abriu a porta e me pediu pra entrar e aguardar enquanto lentamente se arrumaria. Estava envolta em uma toalha amarela (bem gema de ovo), com o cabelo amarrado e sua tez morena permeada por gotículas que refletiam flashes da iluminação do abajur sobre uma estante na sala de estar.

Ela se virou de uma vez então e abriu a toalha. Estava nua. Dei um sorriso sem graça e a penugem na minha nuca arrepiou. Os olhos castanhos claros dela brilharam e fui até a cozinha.

"Tem vinho?", perguntei. Ela deu uma gargalhada vibrante. "Sim, deixei meia garrafa aí na porta da geladeira. Tinto e seco viu!", ela me advertiu.

Ela abaixou então o tom da sua gargalhada, voltou a enrolar a toalha e se aproximou de mim. "Eu te amo, sabia?", me disse olhando com carinho.

"Eu também, muito. Se não fóssemos tão amigos eu juro que te carregava no colo..."

"... e me fazia mulher?", completou Paulinha com uma interrogação.

Não respondi, abri a geladeira e peguei o vinho. Fui até a prateleira pra pegar uma taça e ela se aproximou pelas minhas costas. Abraçou-me com candura e encostou a sua cabeça no meu ombro esquerdo, senti um calor inesperado que tomou conta do meu corpo e senti um tremor estranhíssimo na pélvis.

Pensei: "Não, por favor, não faça isso". Enchi o copo com o vinho e ela delicadamente virou o meu rosto em sua direção. Funguei um pouco, ajeitei o meu óculos e fiquei bobamente com o copo na mão, enquanto ela subia suas mãos em volta do meu pescoço, sua boca estava úmida, os olhos brilhantes.

"Como isso pode acontecer?", ela sussurrou olhando diretamente para os meus olhos.

Não consegui falar nada, deixei o copo de lado então e a abracei. Ela abriu levemente a boca e senti o perfume de menta. Sorri como uma criança e deixei meus lábios grudarem em sua boca. Ela abriu caminho entre os meus dentes e enfiou levemente a língua. Propositalmente ela deixou cair a toalha e sentir o seu corpo comprimido no meu.

Ela saiu da minha boca e desceu sua língua do lóbulo da minha orelha passando pelo meu pescoço e mordiscando com suavidade o meu queixo.

"Por que? O que está havendo?", questionou ela, com os olhos semi-cerrados e a boca ainda mais úmida e quente.

Minhas mãos passearam pela suas costas e cravei os meus dedos na sua cintura, a cada mordida ou carinho mais latente sobre o meu rosto, as minhas mãos buscavam desbravar terreno antes considerado proibido, afinal somos amigos. Ela suspirou alto e já estava tirando minha camisa.

"Não sei... Não sei.", falei com dificuldade já com a boca em um de seus seios e Paulinha se atracando sobre mim.

Ela então me puxou para cima, na direção de seu quarto, em um silêncio que me parecia sepulcral, dramático. Sentia tesão e medo. Prazer e choque. A dualidade de sentimentos que imprimia uma dor fina que se apossava do meu estômago. Era um incômodo que eu não sentia desde a adolescência. Sabia, que de alguma forma estaria fazendo uma merda completa.

Quando ela deitou sobre sua cama nua já senti que estaria fazendo algo errado. Ainda assim cobri minha consciência com um manto de pecado tentador, expandindo minha libido através de um desejo secreto e que sempre reprimi por respeito, mas agora a voz em minha cabeça ficava ditando um mantra: "Foda-se, foda-se, foda-se... e é muito foda!"

Ela estava linda, como sempre esteve desde o dia em que a conheci. Tirei a minha roupa e fiquei longos minutos olhando-a com um desejo sem par. Ela era só sorrisos e não precisou mais do que isso para que eu a cobrisse com beijos. Línguas que passeavam sobre a pele e mãos, dedos que manuseavam e amaciavam carne. Fluidos se espalhavam e desejos, instintos, que tiravam nossos sentidos.

Deitei sobre a cama e ela sentou sobre a minha pélvis, brincando com a minha expectativa e roçando sua vagina sobre a minha coxa esquerda e deslizando até meu pênis. A sua boca, umedecida pela língua saliente, brilhava com a luz do abajur. Os cabelos caíam sobre os ombros e eu segurava suas nádegas, massageando e apertando com ardor a carne macia. Ela ofegava e havia um incrível odor de sexo e almíscar no ambiente. Podia sentir os seus poros salientes, os pelos arrepiados enquanto se movimentava com cadência sobre o meu corpo. Eu correspondia seus movimentos introduzindo com vigor, estocando no tempo certo, como tivéssemos feito isso antes e não pela primeira vez.

Ela virou sobre a cama e me armei em cima dela. Beijei seus lábios e deslizei meu rosto pelo seu pescoço e fiz uma trama de toques deslizando minha língua entre os seios e depois passei de um mamilo a outro, mordiscando os bicos e sugando com delicadeza. Depois desci meu corpo e a língua, sinuosa, descia pela barriga. Comprimi meus lábios no umbigo e ela segurava minha cabeça e acariciava meus cabelos. Em dado momento ela empurrou minha cabeça pra baixo e senti seus pelos pubianos na minha boca. Cheiro, fluido, intensidade na minha respiração e ela ofegante.

Comprimi meus lábios em seus pequenos lábios e não resistindo a eletricidade que a libido me provocava suguei sua vagina como se chupasse uma laranja aberta. Colhendo o sumo, duelando minha língua com seu clitóris e ficando longos segundos, longos minutos, tempo longínquo o suficiente para que eu sentisse todo o tesão de seu corpo quente, febril, esfregando com gosto seu sexo na minha boca.

Em dado momento ela me pedi para cobri-la. Me posicionei de lado e ela encostou suas nádegas na minha pélvis. Levantei uma de suas pernas e ela colou no meu corpo de costa pra mim e a penetrei. Em um tempo sem qualquer noção de medir, ficamos colados e se movimentando. Tínhamos uma combinação exata do instinto que nos transformava em um só organismo lacivo, erótico e sexual. Respiração ofegante, quase dava para ouvir uma música que cadenciava nossos movimentos. Podia ver com tanto tesão o corpo dela moreno suado, a pele macia, porém com os músculos retesados nos pontos certo. Ela conseguia comprimir o meu pênis com os músculos vaginais em movimentos rotacionais e era tudo tão intenso, quente, escroto. Não havia muito o que falar, mas fazer, fazer... Foder com vontade, com gosto até o momento em que explodi e ela soltou um grito profundo. Pediu para que eu permanecesse dentro dela enquanto gozava. Eu podia vê-la comprimindo os lábios e mexendo somente a cintura num movimento lento que ia gradualmente parando.

Havia um brilho na troca de olhares enquanto ofegava. Olhou bem nos meus olhos e deu um sorriso lindo.

Desci do seu quarto respirando ofegante, abotoando a camisa e tentando desviar das estrelas que teimavam em ficar na minha frente. Tomei o copo de vinho, que já estava na temperatura ambiente.

Ela desceu depois vestida informalmente, de top, uma jaquetazinha e calça jeans. Trazia a tira-colo uma mochila pequena.

"E a sua tia?", perguntei. "Só agora que você se preocupa com isso? Ah, ela saiu com algumas amigas", justificou.

Balancei a cabeça rindo e ela fez charme com um sorriso maroto. "Vamos? Se não a gente chega atrasado", falei.

00h33 – Chegamos ao aeroporto e desliguei o aparelho. Ela saltou do carro e a acompanhei. O avião havia chegado há 10 minutos. Ela saiu na frente e o local estava bem cheio. Eu fiquei de longe vendo o seu jeito, aflita, procurando alguém. Ela então olhou pra mim e fez um sinal de positivo. Quase gritando: "Tá aqui."

Dei um aceno de satisfação e fiquei olhando.

Ela parece que o localizou. Correu até ele e o abraçou, João, que retribuiu o abraço e a beijou intensamente. Rodopiou com ela no saguão e pareciam realmente apaixonados.

Aproximei-me lentamente e ele me viu. Abriu um largo sorriso e veio me abraçar. "E aí Marcão!".

"Tudo bem primo, só faltava você chegar mesmo. Essa moça quase me mata de tédio só falando em você nesses dez dias que esteve fora, sabia?", brinquei com ele.

"Mas você cuidou do meu amorzinho direitinho né? A mãe dos meus filhos."

Nada disse, apenas o abracei afetuosamente e fiquei admirando o semblante de felicidade de Ana Paula, que parecia uma menina, olhando para nós dois. Continuo fingindo que eu não devo me apaixonar por ela.

Não sei por que, mas me senti uma referência cinematográfica naquele momento ao lembrar de “Jules e Jim – Uma mulher para Dois” (Jules et Jim/1962), de François Truffaut.


"Caibo em qualquer fantasia./ sou fetiche para o desejo/ mais louco./ fragmento meu corpo/ pra entrar no seu espaço de querer." – Nilza Menezes, "Princesas Desencantadas ou A história das mulheres que ousaram sonhar" – 1996.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Por um amor menos profundo que os sonhos buscam no pecado...


Em algum tempo perdido de 2002...


Descobri o lençol e com uma preguiça desmedida caminhei trôpego até a janela. Abri a cortina e senti as primeiras manhãs do sol no rosto. Meus olhos se irritaram e então compreendi que não estava só.

***

Senti a boca ressecada e me lembrei dos seus cabelos balançando em meu rosto, seguindo os movimentos do vento na beira do píer, defronte a um rio caudaloso e límpido.

Ela encostou sua cabeça no meu ombro, suspirou levemente o ar frio do final da tarde e senti cada pulsação sua como tivesse o dom de um ouvido hipersensível. Cada passo de sua dor que parecia finalmente não se conter mais. Ela fingiu um sorriso pra mim e retribui com um carinho no seu rosto, tirando os fios de cabelos da sua testa.

- Você já sentiu isso? – Perguntou.

- Senti o que?

- Essa sensação de que você tem todos os seus melhores amigos a sua volta, família e ainda assim se sentir só. – Lamentou.

- Sim, sempre... Mas...

- Isso não é ruim? Parece trazer uma melancolia que me leva a questionar se realmente ter amigos em minha volta, enquanto pareço idiota, eu os mereço.

- Olha, mas a vida é assim mesmo, são momentos, fases que passamos e que temos que vincular sentimentos contraditórios com aquilo que está ao nosso alcance. Eu penso que é porque você tem uma carência afetiva muito grande.

- Como assim contraditório? Não entendi.

- Esse paradoxo que você me passou, de estar cercada de gente que gosta de você e te faz sentir bem e, ainda assim, achar que falta algo mais que não a deixe tão só.

- Ah, nossa eu sou complicada...

- É não, é só humana demais... Eu acho que te falta um romance.

Ela sorriu pra mim e balançou a cabeça, voltando-a ao meu ombro.

- Não chego a tanto, mas um pouco de emoção mundana já resolveria o meu problema. – Disse, sem pudor nenhum, com as palavras firmes das quais só amigos de longa data se permitem segredar.

Eu olhei para ela e depois para o pôr-do-sol que criava à nossa frente, dei uma risada espontânea e ela continuou olhando o rio, compenetrada.

- Acredite em mim quando eu digo que você merece mais do que isso, vá por mim.

- Eu sei... Falei por falar, só isso.

Mais tarde estávamos no bar tomando algumas tequilas e ela se engraçou com um playboy, bem artificial. Ele pareceu se sentir atraído por ela. Correspondeu o seu sorriso e deu uma piscadela. Típico do idiota que a gente encontra aos montes nesses bares da moda. Eu olhava pra ela com certa incredulidade, mas ainda assim ela me olhava com um ar transtornado.

- Por que não? – Me questionou se referindo ao "almofadinha".

- Realmente, por que não. É bonitão, veste bem, cabelo da moda, ar blasé, deve cheirar pra caralho e tem um carro zerado estacionado em algum canto aí fora.

- Você é um idiota sabia, reduz meus flertes a observações capiciosas.

- Opa, desculpe, não tá mais aqui quem falou.

Tomei uma última dose e a vi saindo do meu ninho protetor indo direto para as garras do gavião. Eram só sorrisos, os dois. De longe ela me acenou com um polegar positivo. Algo do tipo para me avisar que ele era um cara legal.

"Bom pra ela, melhor pra ele." – Pensei.

Paguei a conta e tentei acenar um adeus pra ela. Mas me ignorou por completo, estava fumando o mesmo cigarro que ele. Fui embora.

Cheguei em casa e todos já estavam dormindo, passei no quarto dos meus filhos e os dois estavam enrolados nos lençóis, cada um em sua cama e o meu mais novo abraçado com um cachorro de pelúcia que tinha quase o seu tamanho. Vislumbrei-os por alguns minutos e me retirei para o meu quarto.

Quando estava tirando a camisa o meu celular tocou, era ela. Do outro lado da linha um soluço curto e depois uma voz embargada me pedia socorro.

Peguei o carro novamente e voltei ao bar. Ela estava na frente me esperando, com os braços cruzados, caracterizando um desamparo comovente. Desci do carro e a abracei.

- O que houve? Quase não entendi o que você falou no telefone.

Ela nada disse, só pediu para levá-la embora daquele local. Eu tinha certeza que o playboy tinha aprontado alguma com ela, mas não me deixei levar pela piedade, se ela procurava algo com ele e se deu mal, não foi a primeira vez e nem foi por falta de aviso.

No carro, já seguindo até sua casa, ela me pediu que levasse pra minha, pois não queria dormir sozinha. Achei estranho, mas não a questionei. Ela então disse:

- Ele não fez nada, eu é que não entendo minha cabeça e me vejo sempre fazendo alguma merda. Percebi que posso ser um pouco melhor comigo mesma e acho que fui grossa com você.

Passei minha mão pelo seu rosto com um carinho de pluma, medindo o gesto para não parecer tão expansivo e sorri.

Levei-a até minha casa, entramos sorrateiramente no meu quarto e liguei o ar-condicionado. Ela então sentou na minha cama e meio sem graça disse que estava com sono, mas se ela quisesse conversar, bom "tudo bem".

- Eu também quero dormir. Faz o seguinte, aja como se eu não tivesse aqui e faz tudo naturalmente.

- Ah tá, fácil dizer isso pra você que é mulher, mas eu sou homem, a coisa é um pouco mais complicada.

Ela riu baixinho e me olhou com um ar de gaiata.

- Tá com medo de mim? De que eu te seduza?

Olhamos um para a cara do outro e começamos a rir, tentando conter o barulho. "Que adorável amiga maluca é essa que eu arranjei?".

- Tem um pijama meu aí em cima da cômoda, veste ele que tá limpinho e vamos dormir. Você não existe, sabia? – Retruquei.

Ela foi até o banheiro e se trocou, quando voltou eu já estava arrumando alguns travesseiros no chão e um cobertor.

- Eu vou dormir aí no chão contigo? – Ironizou.

- Muito engraçada, muito mesmo. Não, eu é que vou dormir aqui embaixo.

- Esquece isso, vamos dormir na mesma cama, eu preciso de um amigo, de um ombro largo e muito amigo.

Nada respondi, ri da sua inflexão ao fazer a proposta e deitei, logo ela deitou do meu lado e virou-se pra mim.

- E aí, nós já nos conhecemos? – Brincou.

- Não, mas podemos dar um jeito nisso.

- Como?

Eu beijei sua testa e disse: "Boa noite!"

Ela beijou o meu rosto e retribuiu o "boa noite", em seguida apaguei a luz do quarto e me virei. Ela dormiu logo e aproveitei o momento para ligar para sua casa. Falei com o seu irmão, expliquei que ela estava comigo e como já éramos amigos ficou tudo resolvido.

Era uma situação estranha, mas eu sabia dos problemas emocionais que ela passava e não poderia abandoná-la, ainda mais depois de ter saído da clínica de desintoxicação com menos de dois dias. Antes de dormir ainda fiquei lhe olhando com admiração, era muito bonita, mas ainda assim precisava defenestrar alguns fantasmas internos para viver melhor. Eu a amava muito.

***

Após o despertar, ela já estava pronta, me olhando da porta do banheiro com um sorriso matreiro no rosto.

- Dormiu bem? – Perguntei.

- Foi o melhor sono que tive em muito tempo. Obrigada, de coração.

Fui até o seu encontro e abracei com carinho. Beijei a sua testa e depois a levei até a porta, disse que havia chamado um táxi pelo celular.

Antes de sair combinei de passar na sua casa mais tarde e ela disse então que me aguardaria, passaria o dia visitando os amigos que não via há mais de seis meses.

- Ei Marcos – me falou antes de entrar no carro – eu estou limpa de verdade viu, como eu prometi à você.

- Eu sei, eu sei..

E acenei, lhe dando um tchau.

***

Um ano depois minha amiga morreria num acidente automobilístico, com outros dois amigos de faculdade, em Cuiabá (MT), sua cidade natal. Ela voltava de uma festa e estava no banco de trás do carro.

+ Para Carla Liza Moretti (1977 – 2003)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Amigos, canções e histórias - Que se foda!


No começo do ano de 2008 encontrei minha velha camisa preta com a estampa de Joey Ramone, ela estava dentro de um baú cheio de revista velhas da Cinemin e Bizz. Era uma memorabília que eu havia guardado a sete chaves e pensei que havia perdido.

A lembrança era clara quando encontrei ao lado dela uma velha fita K-7 com algumas gravações. Não lembrava mais disso, mas tinha uma inscrição na capa. "Soundrock ao vivo - Fábio e Marcos". Era uma coletânea que eu e o meu amigo Fábio tínhamos feito com algumas canções que gravamos para um projeto de uma banda de rock.

Em 1989, Fábio um dia foi lá em casa com o violão e um gravador de dois canais. Eu tinha 19 anos e ele 18 e mostrei algumas coisas que estava compondo com um velho ukelele deixado por um tio maluco. Eram melodias simples e que havia permitido uma sincope bruta do hardcore, ainda que mais lento do que o usual, já que estava encharcado (para não dizer alucinado) de Syd Barret e o seu álbum Madcap Laughs, e, ainda mais com "Loki", de Arnaldo Baptista, e achei por bem fazer uma fusão mais digesta.

Ele achou estranho e puxou a sua versão hardrock para uma música de Geraldo Azevedo, a letra era bacana e entendi o que ela queria dizer. Se eu tinha a melodia, faltava uma letra que casasse com a métrica da canção. Puxei minha pasta azul de anotações e mostrei pra ele alguns poemas que havia escrito, alguns em inglês, fruto da minha inserção linguística no Yázigi (depois abandonei o curso e fui tentar o russo, me lasquei também, enfim... Outra história).

Ele se amarrou em duas letras, "Anne and The Wolf", uma narrativa que havia escrito baseado em um filme (Ana e os lobos, obviamente) do diretor espanhol Carlos Saura, e "Underground", minha homenagem as letras sadomasô de Lou Reed - da banda The Velvet Underground. Ele trouxe uma composição pronta e acrescentou alguns trechos do que eu havia composto com o ukelele. A primeira versão de "Anne and The Wolf", que escrevi em inglês, saiu bem tosca. Desconstrui alguns versos e encaixei duas linhas finais de um Haikai curto. Tentamos cinco vezes adaptar a métrica da letra a canção e valorizar o refrão. A batida era muito rápida e ainda não havíamos chegado a um denominador comum.

Então eu pensei em baixar um tom e desacelerar a batida. O que antes era um rock vivo, estilo Husker Dü, virou uma balada folk com pitadas de hard. Deu certo. Combinamos a voz e ensaiamos seis vezes. Tínhamos um canal para o microfone e outro para o violão de 12 cordas. Já havíamos revistos os compassos e parecia tudo certo.

Eu tinha uma fita K-7 cromo preta e coloquei no gravador. Tranquei o quarto e no absoluto silêncio gravamos em um único take "Anne and the Wolf". Ele encaixou um solo harmonioso no final. Repassamos a fita e tentamos gravar outro take. Porém, o primeiro foi o melhor. Em três horas tínhamos uma música pronta.

Quase cinco da tarde passamos para a próxima música. "Underground", apesar do título em inglês havia escrito em português mesmo, e era uma história curta de uma menina proletariada que era muito inteligente, mas se via engolida pela mediocridade reinante de sua escola e casa, resolve cair na noite e se envolve em uma experiência sado-masoquista com uma amiga rebelde. Mostrei alguns riffs em staccato para o Fábio e ele deu um estalo e disse que tinha uma melodia bacana para integrar. Mezzo rockabilly, mezzo psicodélico acrescentei um verso final longo (quase um diálogo) - "Eu vejo você se desmanchar em cinzas nesse cogumelo de tormento chamado hormônio". Ele riu muito desse verso final, mas conseguiu ajustá-lo na métrica da música.

Subimos um tom e o vocal do Fábio ficou quase rouco, rockabilly com intensidade de um blues, se tivéssemos o piano de Arnaldo Baptista seria a canção perfeita. Achei que faltava um detalhe bacana no final da música, o solo final poderia ter um bottleneck slide. Como o violão do Fábio era de cordas de aço, a minha idéia seria perfeita. Peguei um frasco vazio de Matrinil. Ele tava tão sintonizado com o meu pensamento que ele deslizou com perfeição o bottleneck slide improvisado sobre as cordas mais graves. Tentamos ainda com um copo de vidro, mas ficou estranho.

Ele tocou quatro, cinco, seis vezes a parte do arranjo. Depois recitei a letra e por fim cantei, fundindo com a melodia. Emulamos o solo final com um dedilhado emocionante e "Underground" ficou pronta.

Quase sete horas da noite e gravamos o resultado. Usamos um truque nessa canção. Gravei a parte de dedilhado do violão separado dos solos em uma fita K-7 extra. Peguei um outro gravador e sincronizamos na mesma batida, com o resultado dava para ter um violão base e outro solo ao mesmo tempo, em um mesmo canal. Tudo improvisado, mas para dois jovens pretensos músicos de garagem era pura revolução. Com essa síndrome de Brian Epstein, ensaiamos duas vezes mais com o truque de gravação e deu certo. Gravamos dois takes distintos: um mais puro, quase cristalino, com voz suave sobre os violões, e outro mais cru e rocker, com voz subindo um tom em cima dos arranjos. Sinceramente, eu gostei mais segunda versão e ele da primeira. Mas dali nasceram as nossas duas melhores canções.

Nos dias posteriores fizemos mais quatro, mas eu achei que ficaram bem abaixo da média - como se pudéssemos medir o valor delas sendo que só nós tivemos acessos à elas. Um blues com influência de Pink Floyd - eu podia ouvir o teclado de Rick Wright fazendo o acompanhamento em meus pensamentos. As outras três canções eram baladas, mas já tinha perdido o ímpeto criativo e lembro que chegamos a colocar um instrumento de sopro, uma flauta doce que o irmão dele tocou.

A fita ficou gravada e tiramos apenas uma cópia, eu fiquei com a "fita master". Por força do destino ou da situação, Fábio entrou no exército, eu comecei a fazer um cursinho pré-vestibular e acabei me apaixonando por literatura russa - com isso passei a escrever contos e peças de teatro (encontrei um original desses escritos e até que me surpreendi. Não era de todo ruim, mas faltava maturidade). Com o passar do tempo, reuníamos a nossa turma de violão e muito raramente cantávamos uma ou duas canções nossas. Nossos amigos não entendiam e pediam covers. "Foda-se" ele dizia e acabava não tocando mais nada.

A camisa com a estampa de Joey Ramone era uma presente que eu havia me dado quando tinha feito 16 anos. Achava que para quem sabia apenas dois acordes de violão o mundo não valia a pena para receber minhas curtas e rebeldes canções. Os Ramones me ensinaram que isso era possível e, de maneira absoluta, ainda acreditar que os losers eram os verdadeiros mantenedores da cultura pop nesse mundo sem vergonha.

Por causa dos Ramones me transformei em músico de garagem e quartinho. Isolado do mundo, com meus livros, telas, gibis, centenas de discos de vinil, dezenas de fitas K-7.

Tinha ainda a pretensão de ser um poeta romântico, dos amores fracassados, mas que sabia, sem por e nem onde que eram experiências minhas e ninguém tinha a ver com isso. Gostava de mim quem quisesse. O Fábio tinha o mesmo pensamento, só que musicalmente ele era mais regionalista, se consumia Geraldo Azevedo e Zé Ramalho na mesma proporção com que ouvia Van Morrison, Pink Floyd e Iron Maiden, eu fixava minha atenção sonora no punk rock e misturava Led Zeppelin, Deep Purple com U2 e The Smiths. O nosso prato musical comum era Ramones. Por isso a camisa tinha o significado importante pra mim.

Através dela me tornei amigo de Fábio. "Você gosta também?"

No final das contas quando íamos jogar sinuca com os nossos amigos em comum, altas madrugadas, depois de termos deixado nossas namoradas em suas devidas casas, ele pegava o violão, que sempre levava dentro do Fusca que tinha, e arriscávamos a cantar as canções que havíamos feito. Nunca se tornaram hits ou polivalentes do circuito alternativo, afinal aquela fita estivera guardada por anos e ouvir de novo, depois de tanto foi uma experiência e tanto. Nossos amigos, por fim, creditaram um talento incomum à dupla, ainda que eles não entendessem que estávamos querendo reinventar a música ao nosso modo, com nossas influências e dar algo novo. Foi uma experiência de dois amigos que amam música.

Hoje eu sou jornalista e o Fábio veterinário. Eu do interior de São Paulo e ele de Recife. Eu trabalho em Porto Velho e ele em Brasília. Há mais de sete anos que não nos vemos, mas quando conversamos no MSN ele sempre lembra das velhas canções que compomos. Ficaram em nossas memórias. A fita master, por fim, se perdeu ano passado quando o mofo comeu quase toda o rolo de fita e o som ficou inaudível.

Numa noite uma conhecida de uma amiga nossa em comum encontrou o meu caderno de anotações, leu, revirou os olhinhos, coçou o queixo e deixou de lado. O Fábio a encontrou dias depois na Discolândia, e ela comentou com ele que não gostava de gente com problema de amores mal resolvidos, pois sempre usava o que escrevia como forma de escape. Ele perguntou de quem ela falava, e ela disse o meu nome. Ele me contando que riu muito do que ela tinha falado. "Você conhece a vida dele?"
Ela disse que só nas reuniões do grupo de amigos, mas não tinha se aprofundado em conversar comigo.
Ele: "Então você não o conhece mesmo".
Ela: "Eu vi aquele caderno dele cheio de anotações e li. Como eu sou culta também, peguei de curiosa..."
Ele: "Pois é, agiu errado e se você tivesse prestado atenção, iria ler na primeira página: 'Contos e letras', ele escreve aquilo que deve ser escrito como forma de ficção, para provocar. Você caiu direitinho. "
Ela: "É a minha opinião e é o que eu acho".
Ele: "Bom, de amor mal resolvido ele não tem nada. Namora, fez um livro pra namorada e pelo que sei os dois estão muito bem".
Aí ela ficou olhando séria pra ele. Ele começou a rir.
Ela: "Que se foda!"
Ele me contou isso e eu lembrei da música "Underground". Tem um trecho da música que dizia: "Ela tenta compreender seu mundinho desumano/ Não existe razão baby/ Pois ser inteligente é usar as arma certas/ Com aquele cara mundano".
Fábio disse que cantarolou a música pra ela e depois saiu. Foi engraçado.
A sintonia de nós dois ainda era uma constante em vista das composições e do entrosamento musical.
Só lamento que desse resultado musical só restou lembranças e histórias, amigos que passaram, canções que nunca mais cantaremos e as eternas influências que solidificaram nossa amizade.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Poemeto I

Não quis entender a tua tristeza
mas foi o suficiente para te amparar

Não ri com suas incertezas
Porém não esperei que contasse segredos

Deixou um bilhete no meu bolso
com a marca do teu batom favorito
Não quis perceber o quanto estava adiantada
A solidão que me mostrou...

Abaixou a cabeça e nada disse quando respondi teu bilhete:
"Porque nem tudo que você me diz com os olhos
representa o reinício de nosso amor.
Tarda, mas hoje não estou mais só..."






quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Dicas de consumo pop: "Sexo" e "Rolling Stones"



DVD - "Sexo, mentiras e videotapes" - (Sex, lies and videotapes/1989) - Sempre escrevo e digo que todo amor perfeito tem um fim inesperado. É uma afirmação para dizer que tudo tem um fim, mas a duração é eterna até o momento do adeus. Apologia nada legal para românticos. Esse filme, escrito e dirigido por Steven Soderbergh (de "Onze homens e um segredo" e "Traficc"), foi feito quando ele tinha pouco mais de 20 anos e recebeu a Palma de Ouro em Cannes. É um filme relativamente muito barato, usa quatro atores fixos e uma trama incomum, mas incrivelmente atual. O roteiro tem um final coletivo, decidido pelos atores e que se situa mais coerente com o desenrolar da trama. Um advogado bem sucedido (Peter Gallagher) é casado com uma dona de casa (Andie Macdowell) que vive um fastio sexual por causa da monotonia, porém ele mantém um caso com a ardente cunhada (Laura San Giagomo). A rotina dele se altera com a chegada de um amigo de infância (James Spader) que resolve passar alguns dias na cidade. Ficamos sabendo então que o rapaz é impotente e grava em vídeo depoimentos de experiências sexuais de mulheres. Durante o decorrer do filme fica-se observando o fascínio que ele causa nas mulheres e o modo como as convence a prestar um depoimento. Tudo se transformar quando as duas mulheres da vida do advogado resolvem prestar o depoimento e tentam compreender a cabeça complexa daquele homem, que se diz impotente. Então exposições de traumas íntimos, rancor e mentiras são expostas em uma sucessão de clímaxes que conduz para uma virada na vida de cada um dos personagens. Esse foi o filme que me impressionou pela economia de diálogos, mas todos tão precisos e bem feitos, e as motivações intensas dos personagens. É fácil assimilar os medos, anseios e encontrar uma identificação sólida com a projeção traumática do personagem central, vivido por Spader - sua impotência tem uma razão fixa, porém pode servir de metáfora a uma série de questões pessoais. Esse foi um dos primeiros filmes a questionar e expor uma geração inquieta, que passava pelos anos 80 quase incólume pelo processo degenerativo da acomodação e do egoísmo emocional. O romance que poderia ser impróprio se torna uma catarse digna de um fim quase inesperado. A cena de sedução dos personagens de Andie MacDowell e James Spader, com trilha eletrônica, é um primor de sutileza e delicadeza (veja abaixo). Dos melhores filmes que assisti nos anos 80 e está na minha lista de dramas favoritos de todos os tempos.





LIVRO - "The Rolling Stone - Gravações comentadas e Discografia Completa" (2009/Larousse) - Vou ser bem sincero, eu tenho uma relação dúbia com a banda Rolling Stones, não acho a maior e melhor banda de rock de todos os tempos, como se propaga em muitos escritos e bocas de críticos musicais - apesar de achar "Exile On Main Street" (1972), o melhor disco de Blues já gravado por uma banda de rock em todos os tempos. Mas isso é uma questão pessoal. Mas acredito no poder de transformação da banda e na sua importância histórica, acho que a produção artística e musical de Mick Jagger, Keith Richards e companhia era melhor nos anos 60 e início da década de 70. Adoro o fato deles terem sido considerados os anti-beatles, pois eram mais "sujinhos", considerados marginais e alternativos. Esse mini-book de Alan Clayson é um tesouro, o título já é perfeito e traduz muito bem a intenção da obra. Mas o grande barato é ler os textos para cada disco e as histórias em sua volta. Alan traça um painel fantástico de transformação social provocada pela música, no caso o rock e, ainda mais no caso, da influência dos Rolling Stones no comportamento da juventude, principalmente quando estouraram nos Estados Unidos em meadas dos anos 60. A famosa "invasão britânica" na América é esmiuçada com propriedade. O grande barato é descobrir que os integrantes da banda logo no segundo disco "Rolling Stones 2", já havia trocado figurinha com seus ídolos, todos monstros do blues e Rythm blues. A narrativa de Mick Jagger tragando uma carteira de cigarros antes de entrar em cena para um show, onde o artista predecessor era James Brown é de arrepiar. "Jagger e Richard estavam com as mãos trêmulas ao saber que subiriam ao palco depois de Brown". O livro apresenta com detalhes cada faixa gravada, com histórias em torno de cada música, quem tocou o quê e a referência da composição (cover ou não) - incrível saber que o produtor Phil Spector (o gênio por traz por "wall sound" das girls groups dos anos 60 - The Cristals e The Ronnetes) fez parte do primeiro disco da banda, mesmo quando ela não era famosa. Até para quem não é fã dos caras, como eu, vale muito a pena. A editora Larousse tem mais dois livros tão importantes quanto necessários para compreender melhor a história do rock nos anos 60 e a sua capital influência nos anos posteriores: "Beatles" e "Bob Dylan", a quitessência da música moderna em discografia comentada. Entre AQUI e confira a dica. O livro também pode ser encomendado - pelo mesmo preço da editora - na Livraria Nobel do Porto Velho Shopping (foi lá que adquiri o meu. Só tinha esse exemplar lá).


terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Lat Septem - 777


Não me pergunte as questões que levam uma pessoa a achar graça em andar de ônibus para ir ao trabalho. É um momento de solene desilusão quando se deixa acanhar pela monotonia. Mas, as vezes, o tempo é precioso e observar é colher experiência. Dependendo da situação, é possível obter inspiração suficiente para escrever. O texto abaixo é uma variação de outro só que em dois momentos distintos.

No sétimo dia do dia sete de julho – do mês sete – do ano de 2007, às 07 horas e sete minutos, entre os seis e oito segundo senti uma palpitação no coração quando estava sentado no ônibus que me levava para o serviço. Ela entrou com um sorriso tímido, os cabelos encaracolados caindo parcialmente em um dos ombros, uma bolsa de lona e um livro do Gabriel Garcia Marques em uma das mãos ("Amor nos tempos de cólera").

Passou pela catraca e sentou na cadeira em frente onde eu estava. Segui-a com carinho nos meus olhos e sorri de canto – num gesto de cumplicidade comigo mesmo. Claro, ela nem prestou atenção, aliás, não existo pra ela, sou mais um passageiro diário do ônibus de linha.

Ainda assim me permiti os excessos de poetas inconseqüentes que se apaixonam a cada dia e tentam galgar degraus absolutos do inalcansável para tocar sua musa.

Os óculos de grau, com aros vermelhos, lhe davam um charme intelectual e sua maneira simples e despojada de vestir me arremetia a desejos nostálgicos de amigas que dormiam aninhadas em meus braços, em busca de proteção no tempo de faculdade.

Contei então que ela possuía sete pontos chaves de que sua presença me instigava a interpelá-la e extrair um assunto simples para que a conhecesse melhor. Tarefa fácil. Mas, que nada. Na sua magnânima timidez ela me olhava rapidamente e logo voltava o seu interesse para o livro que carregava.

Ela se encolhia no canto da cadeira e o lia com dedicação. Por mim tudo bem, poderia ficar longos minutos lhe olhando sem que ela percebesse que eu via em suas feições e gestos àquela procura eterna da perfeição.

Um ponto: os cabelos castanhos, enrolados graciosamente, grandes, sinuosos e perfumados com algum shampo de erva aromática;

O segundo ponto: O olhar que aprofunda na leitura, mas vez ou outra escapa no tempo um olhar de procura em volta e nem percebe que o seu ato involuntário permite um flerte;

O ponto três: a pele alva, levemente sardenta;

Quarto ponto: aparenta uma delicadeza primaveril (como assim? Vão perguntar os decifradores de charadas), ou seja, com a cor das flores mais pueris de um jardim;

Olhaí o quinto ponto: sorri como a chama delicada de uma vela em um quarto à meia luz, numa noite de verão;

E o sexto ponto: caminha angularmente reta, compassada e arqueia o tronco levemente para trás, arrebitando sua puba enquanto os braços parecem delinear movimentos dançantes, milimetricamente dosado e...

Por fim o sétimo ponto: salvo engano, me trespassa com uma lança de paixão, com um olhar fulminante que me despe por inteiro e transforma minha paixão em desejo.

O que fazer com os seus sete pontos atrativos que me permitem borbulhar doses cavalares de glicose, daqueles arroubos idiotas que somente os apaixonados se permitem?

Apreciar, olhar e entender que no dia sete de julho de 2007 - passados sete minutos até o ponto onde eu ficaria – um pedido avulso às estrelas foi concretizado: vislumbrar a perfeição, tão assimétrica, das que ficam escondidas em alguma passagem de tempo que somente a física quântica permite em teoria científica.

Não sei o seu nome, não sei de onde vem e nem para onde vai... Mas de alguma forma eu sei que ela invade minha imaginação e ousa quebrar o encanto de minha desilusão quanto ao amor. Pois, de alguma forma, um novo amor faz esquecer um velho amor... Tão simples e óbvio quanto à vida monótona da realidade urbana que eu vivo.

Hoje, não tão só... Mas com você invadindo meus sonhos vez ou outra, sou um passageiro de ônibus tão feliz quanto inspirado...